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domingo, 12 de julho de 2020

NÃO HÁ VAGAS

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço 
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores
está fechado:
"não há vagas"

Só cabem no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede 
nem cheira

Ferreira Gullar em dose �nica | Pilar Fazito | Digestivo Cultural

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (1930 - 2016): autor, biógrafo, crítico de arte, ensaísta, escritor, memorialista, poeta e tradutor brasileiro. Natural de São Luís/MA, é um dos fundadores do movimento artístico denominado Neoconcretismo. Também integrou a Academia Brasileira de Letras.

(A imagem acima foi copiada do link Digestivo Cultural.)

terça-feira, 14 de maio de 2013

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.


Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão. 


Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente. 


Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem. 


Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
 

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira: poeta, tradutor, crítico de arte, ensaísta e biógrafo brasileiro. Nascido em 10 de setembro de 1930, em São Luís/MA, é um dos fundadores do Neoconcretismo.


(A imagem acima foi copiada do link Editora Ática.)