terça-feira, 25 de junho de 2019

"Se vai fazer a coisa errada, erra direito!"


Frase dita pelo personagem Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), no seriado Friends, episódio Aquele da Festa de Despedida.

(A imagem acima foi copiada do link Images Google.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (IV)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.


O professor palestrante cita, ainda, outro exemplo a este respeito: digamos que um servidor do Poder Judiciário Federal estaciona seu carro em determinado local e o veículo vem a ser furtado. Dentro do veículo existem vários documentos oficiais (digamos que o servidor seja oficial de justiça). Em virtude disso, o serviço (um mandado, por exemplo) não chega a ser executado pelo oficial de justiça naquela ocasião ou demanda mais alguns dias para ser executado. Ora, em tese, houve uma lesão ao serviço prestado por um agente federal de um órgão, cuja competência seria da Justiça Federal. Porém, este prejuízo é apenas mediato, e não direto e específico. 

Para ficar mais claro o que quer dizer essa exigência de prejuízo direto e específico o professor Walter esclarece:  caso uma pessoa venha a cometer homicídio contra um oficial de justiça, da Justiça Federal. Se o agente matou o oficial de justiça por ter com ele uma inimizade pessoal, esse crime, de toda sorte, não vai deixar de trazer um prejuízo para o serviço da Justiça Federal, se, por exemplo, naquele dia o oficial de justiça tivesse que cumprir vários mandatos e os mesmos não venham a ser cumpridos. Em tese, imediatamente, este serviço foi atingido. Entretanto, a competência não recairá sobre a Justiça Federal porque o dano não foi direto e específico. 

Dano direto e específico seria, por exemplo, se uma pessoa matar o oficial de justiça, por exemplo, exatamente para que este não cumprisse suas atribuições. Aí, sim, se daria a competência da Justiça Federal. 

A competência, no ambiente criminal é bastante complexa. Ela vai depender da vontade do agente, ou seja, qual a finalidade do agente com a prática do crime. Se o agente queria matar a vítima porque esta era um agente federal, restará concretizada a competência da Justiça Federal. Se o agente pratica o crime - contra o agente federal - impulsionado por um motivo pessoal qualquer, essa competência não seria da Justiça Federal. 

O palestrante Walter Nunes salienta que isto não é nenhuma novidade no ambiente criminal, sendo um dos principais problemas também que traz a complexidade da prova, uma vez que, em muitos casos, para se definir se um crime foi praticado, a prova deverá revelar o animus do agente infrator; qual era, especificamente, o dolo do agente infrator ao praticar a conduta ilícita. Isso também ocorre no que diz respeito à definição da competência. 

Para visualizarmos melhor o que foi dito anteriormente, basta analisarmos, por exemplo, se o caso se trata de homicídio ou se é uma lesão corporal seguida de morte. Se determinada situação é tentativa de homicídio ou uma lesão corporal. No campo da competência, se for uma lesão corporal seguida de morte, será competência do juiz togado; por outro lado, se for um crime de homicídio, será competência do tribunal do júri. Portanto, competência de acordo com o animus do agente que praticou o delito. 

Na definição de competência, especialmente quando se trata de crime praticado contra um agente público, há de se observar se o crime foi motivado em razão do exercício da função dele. Se for em razão do exercício da função dele, e, sendo ele um agente federal, a competência vai ser da Justiça Federal. 

De acordo com Súmula do STJ e, ressaltando mais uma vez o que já salientado anteriormente, tratando-se de crime contra sociedade de economia mista, a competência será da Justiça Estadual, uma vez que esta, para fins jurídicos, não é considerada empresa pública. Ainda que tenha participação societária da União. Isso está definido na Súmula 42 do STJ: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento". 

Às vezes há uma certa confusão neste aspecto, que já ensejou, inclusive, certa discussão no ambiente jurisdicional, por exemplo: um crime contra o patrimônio do Sindicato dos Servidores Públicos Federais a competência para julgar é da Justiça Federal ou da Justiça Estadual? Ora, o sindicato é uma entidade civil, tem personalidade jurídica de direito privado e não é considerado, obviamente, empresa pública. Daí que a competência para investigar crimes contra o patrimônio ou interesses desse sindicato é da Justiça Estadual, e não da Justiça Federal. 

Como salientado, não há tanta necessidade de se extremar se em determinado caso foi atingido um serviço ou interesse. Via de regra, quando é atingido um serviço, também é atingido um interesse. Não há de se negar que, de toda sorte, um bem (patrimônio) de uma entidade pública federal, via de regra, está afeto a um serviço. E, da mesma forma, o serviço sempre está relacionado com o interesse da entidade quanto ao cumprimento da sua missão ou realização de suas atribuições.

O furto de um equipamento eletrônico, por exemplo, é um crime contra o patrimônio e, caso seja contra uma das entidades federais, será de competência da Justiça Federal. 


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (III)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.


Feitos estes esclarecimentos, o que chama a atenção é com relação a essa ambiguidade entre bens, serviços e interesses da União, visto que, via de regra, tudo se identifica como interesses de uma dessas entidades mencionadas.

O STF e o STJ possuem jurisprudência, consolidada, no sentido de que esse crime praticado contra bens, serviços e interesses da União, tem que trazer um prejuízo concreto e efetivo. Caso o prejuízo não reúna tais características, essa competência não será da Justiça Federal. Isso, via de regra, só é possível identificar no caso concreto. Se pegarmos, por exemplo, a jurisprudência do STF a esse respeito, e nada obstante se verifiquem algumas divergências, observaremos que isso só é possível de dimensionar no exame do caso concreto. 

Examinemos, por exemplo, a Súmula 107 do STJ: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão à autarquia federal". Se não há lesão a um ente referido no inciso IV, art. 109, da CF, não será competência da Justiça Federal. 

         Neste ponto, o professor Walter cita o exemplo da empresa que, querendo participar de licitação perante um órgão estadual ou municipal, falsifica uma certidão de quitação de tributo federal e apresenta ao respectivo órgão público responsável pelo processo licitatório. Nessa situação, em que pese ter sido falsificado um documento representativo de uma responsabilidade tributária perante um órgão federal, algo que prima facie suscita interesse da União, tal ofensa não seria direta. Na verdade, quem sofreu prejuízo foi o órgão (estadual ou municipal) que estava promovendo o processo licitatório. A ofensa, pois, contra a União, seria de forma mediata, não havendo que se falar em competência da Justiça Federal. 

Mesmo assim, de vez em quando se verificam precedentes do STF admitindo que, mesmo nessa hipótese, seria competente a Justiça Federal. Ressalte-se, contudo, que a jurisprudência mais dominante no STF é no sentido de que, se não houver um prejuízo específico e direto a uma das supracitadas entidades federais, a competência não será da Justiça Federal. 

O professor palestrante chama a atenção para essa divergência o julgamento do Supremo, 1ª turma, tendo como relator o ilustríssimo Min. Marco Aurélio, no RE. 446.938/PR, o qual encontra-se no informativo 531 do STF. Também temos o RE 454.737/SP, relator Min. Cezar Peluso, no informativo 520. Neles vemos a fundamentação do Supremo de que é preciso que seja identificado um prejuízo direto e específico de um ente federal para que reste caracterizada a competência da Justiça Federal. 

 A esse respeito, o professor cita a Súmula 73 do STJ: "A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual", que bem retrata essa posição jurisprudencial. A referida súmula quer dizer que, apesar do crime envolvendo papel-moeda ser da alçada da Justiça Federal (serviço prestado pelo Banco Central - BACEN), se a falsificação for grosseira, não está havendo verdadeiramente um prejuízo específico e concreto à União. 

     Configura-se um crime no qual o agente iludiu uma determinada pessoa e não comprometeu o serviço de emissão de papel-moeda, daí a competência se traduzia na Justiça Estadual, caracterizando-se, pois, não o crime de moeda falsa, mas estelionato.

A esse respeito, o professor esclarece que o crime de moeda falsa exige que a falsificação tenha potencialidade lesiva em relação ao homem médio, e não quanto a uma pessoa de menor grau de instrução que pode ser ludibriado.

A mesma coisa, podemos falar da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal a respeito de uma pessoa que exerça, de forma ilegal, uma profissão de profissional liberal (médico, farmacêutico, dentista, advogado). Esse exercício ilegal da profissão, a competência, a rigor, é da Justiça Estadual, e não da Justiça Federal. Certo que esses órgãos de controle do exercício dessas funções são autarquias federais, mas inexiste uma ofensa direta ao serviço de fiscalização prestado por tais autarquias.

Diferente seria, por exemplo, se a pessoa vier a falsificar um registro do Conselho Regional de Medicina (CRM), aí, sim, haveria uma ofensa direta e concreta ao serviço que é prestado por esta entidade autárquica federal. Nesta hipótese, sim, a competência seria da Justiça Federal. Portanto, a singularidade - o que é mais delicado nesses casos - é de se verificar se existiu, propriamente, uma ofensa direta e específica a uma entidade federal.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)