quinta-feira, 6 de setembro de 2018

JUIZ BOCA DA LEI

Para cidadãos e concurseiros de plantão


A expressão "bouche de la loi" ('boca da lei') foi muito utilizada na França após a Revolução Francesa (1789).

Dizia-se, então, que os juízes deveriam ser "bouches de la loi" no sentido de que deveriam apenas aplicar, da forma mais mecânica possível, as leis editadas pelo Legislativo.

Justificou-se esse cerceamento ao Judiciário com o fato dos juízes franceses terem extrapolado de suas atribuições, assumindo atitudes questionadoras frente ao rei Luís XVI.

Os juízes passaram a ser considerados 'perigosos' tanto pelos monarquistas quanto pelos revolucionários (republicanos).

Na verdade, o que preocupava tanto uns quanto outros era o fato de trataram-se eles de pessoas esclarecidas, não-manipuláveis...

De lá para cá os juízes franceses têm sofrido, dos sucessivos governos, restrições, que prejudicam o fortalecimento do Judiciário.

Todavia, transformar os juízes em meras 'bocas da lei' é rebaixar essa instituição, tratando seus membros como meros funcionários administrativos, que resumem seu trabalho em cumprir regulamentos...

Não se pretende a implantação de verdadeira 'babel' com a possibilidade de cada juiz decidir arbitrariamente, mas sim que os Tribunais Superiores definam entendimentos jurisprudenciais uniformes (súmulas vinculantes). Significaria isso a nossa passagem gradativa do sistema de "civil law" para o de "common law".

Somente o Judiciário deveria ser incumbido das questões jurídicas, não só julgando as questões jurídicas (como já acontece no nosso país), mas também aplicando nos casos concretos sua jurisprudência baseada nos antecedentes consolidados, restringindo-se a atividade do Legislativo à edição apenas das leis indispensáveis.

No Brasil, o Legislativo legisla exageradamente, perdendo tempo enorme com leis desnecessárias, enquanto que o Executivo também se aventura pela área legislativa, aumentando desmesuradamente a 'babel legislativa'.

'Bocas da lei' devem ser os servidores administrativos, que devem restringir sua atuação à aplicação de regulamentos, portarias etc.

Para benefício dos cidadãos, é importante que os juízes sejam muito mais do que isso, contribuindo para o progresso social da sociedade, fazendo avançar o Direito no rumo da liberdade, igualdade e fraternidade, que é um ideal universal e não apenas da nação francesa.

É importante que as pessoas reflitam sobre a utilidade de um Judiciário que não seja mera 'boca da lei', como aconteceu durante os regimes antidemocráticos...



* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).



(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)