Dicas para cidadãos e concurseiros de plantão, retirados do RE 637.485/RJ.
O art. 14, § 5º, da Constituição, com a redação determinada pela
Emenda Constitucional n. 16/1997, dispõe que “o Presidente da República,
os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um
único período subsequente”.
Como é sabido, a Emenda Constitucional n. 16, de 1997, instituiu a
reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo, permitindo que ela
ocorra apenas uma única vez. O novo texto do § 5º do art. 14 foi objeto de
apreciação do Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 1.805 (Rel. Min. Neri da Silveira,
julgado em 26.3.1998).
Na ocasião, o Tribunal indeferiu o pedido de
medida cautelar, acolhendo o voto substancioso do Ministro Néri da
Silveira, que realizou um profundo estudo sobre o instituto da reeleição.
Julgado o pedido de medida cautelar, o mérito da ação continua pendente
de apreciação. Após a aposentadoria do Ministro Neri da Silveira, houve
substituição de Relator por três vezes e a ação encontra-se atualmente sob
a Relatoria da Ministra Rosa Weber.
Apesar de estar pendente a análise dessa ADI 1.805, entendo que o
Tribunal, ao julgar o presente caso, pode utilizar como fundamento de
sua decisão o § 5º do art. 14 da Constituição, proferindo a interpretação que entenda mais adequada para tal dispositivo constitucional.
O futuro e
eventual julgamento de mérito dessa ADI 1.805 não é óbice ao pleno
conhecimento deste recurso extraordinário, pois aqui se trata de analisar
o texto constitucional em sua aplicação concreta, pressuposta a sua plena
vigência normativa.
Com efeito, não se podem desprezar os quatorze anos que se
passaram desde o julgamento da medida cautelar, em que a norma do art.
14, § 5º, manteve plena vigência e teve ampla aplicação. Realizadas quatro
eleições gerais (1998, 2002, 2006, 2010) e três eleições municipais (2000,
2004, 2008) sob a égide da norma introduzida pela EC n. 16/1997, parece
impensável uma decisão de mérito desta Corte que venha a interferir
nesse estado de coisas já conformado e consolidado.
Portanto, trazido a
esta Corte um caso concreto (das eleições municipais de 2008) em que se
requer seja dada a interpretação adequada ao art. 14, § 5º, da
Constituição, este Tribunal deve efetivamente conhecer e decidir o caso
em questão, independentemente do eventual julgamento de mérito da
ADI 1.805.
Feitas essas considerações iniciais, analisemos o art. 14, § 5º, da
Constituição.
O instituto da reeleição criado pela EC 16/1997 constituiu mais uma
condição de elegibilidade do cidadão. Como esclarecido e definido pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da referida ADI 1.805, na
redação original, o § 5º do art. 14 da Constituição perfazia uma causa de
inelegibilidade absoluta, na medida em que proibia a reeleição dos
ocupantes dos cargos de Chefe do Poder Executivo.
Com a EC n. 16/97, o dispositivo passou a ter a natureza de norma de
elegibilidade. Assim, na dicção do Tribunal, “não se tratando, no § 5º do art.
14 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 16/1997, de
caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipótese em que se estipula ser possível a
elegibilidade dos Chefes dos Poderes Executivos, federal, estadual, distrital,
municipal e dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos,
para o mesmo cargo, para um período subsequente, não cabe exigir-lhes
desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado”.
Portanto, concluiu a Corte: “a exegese
conferida ao § 5º do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda
Constitucional n.º 16/1997, ao não exigir desincompatibilização do titular para
concorrer à reeleição, não ofende o art. 60, § 4º, IV, da Constituição”.
A reelegibilidade, como vem asseverado pelo Ministro Carlos
Velloso, assenta-se em um postulado de continuidade administrativa. “É
dizer – nas palavras do Ministro Carlos Velloso – a permissão para a reeleição do
Chefe do Executivo, nos seus diversos graus, assenta-se na presunção de que a
continuidade administrativa, de regra, é necessária” (ADI-MC 1.805, acima
referida).
Por outro lado, não se olvide que a Constituição de 1988, mas
especificamente a Emenda Constitucional n. 16/1997, ao inovar, criando o
instituto da reeleição (até então não previsto na história republicana
brasileira 1), o fez permitindo apenas uma única nova eleição para o cargo
de Chefe do Poder Executivo de mesma natureza. Assim, contemplou-se
não somente o postulado da continuidade administrativa, mas também o
princípio republicano que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou
grupo no poder, chegando-se à equação cujo denominador comum está
hoje disposto no art. 14, § 5º, da Constituição: permite-se a reeleição,
porém apenas por uma única vez.
1 Assim esclareceu o Ministro Pertence no julgamento do RE 344.882 (DJ 6.8.2004): “A
evolução do Direito Eleitoral brasileiro, no campo das inelegibilidades, girou durante
décadas em torno do princípio basilar da vedação de reeleição para o período imediato dos
titulares do Poder Executivo: regra introduzida, como única previsão constitucional de
inelegibilidade, na primeira Carta Política da República (Const. 1891, art. 47, § 4º.), a
proibição se manteve incólume ao advento dos textos posteriores, incluídos os que regeram
as fases de mais acendrado autoritarismo (assim, na Carta de 1937, os arts. 75 a 84. embora
equívocos, não chegaram à admissão explícita da reeleição; e a de 1969 (art. 151, § 1º.,a)
manteve-lhe o veto absoluto). As inspirações da irreelegibilidade dos titulares serviram de
explicação legitimadora da inelegibilidade de seus familiares próximos, de modo a obviar
que, por meio da eleição deles, se pudesse conduzir ao continuísmo familiar. Com essa
tradição uniforme do constitucionalismo republicano, rompeu, entretanto, a EC 16/97, que,
com a norma permissiva do § 5º. do art. 14 da CF, explicitou a viabilidade de uma reeleição
imediata para os Chefes do Executivo”.
Fonte: STF - RE 637.485/RJ. Rel.: MIN. GILMAR MENDES. Plenário. 01/08/2012.
(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)