Fichamento (fragmento) da videoaula Introdução - Princípios do Processo Penal, do professor doutor Walter Nunes, disciplina Direito Processual Penal I, da UFRN, semestre 2019.1
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Getúlio Vargas: no seu governo entrou em vigor o Código de Processo Penal. |
Na
história jurídica brasileira, no que concerne ao Direito Processual Penal, só
tivemos, até hoje, dois códigos de processo. Um de 1832, que foi extremamente
avançado para a época. Feito de acordo com um viés liberal, com o pensamento da
Escola Clássica, sendo, portanto, um instrumento de garantia.
Com
a primeira constituição republicana (1891) foi implantado no Brasil o dualismo
processual. Isso significava que cada Estado da Federação poderia editar seus respectivos
códigos de processo, seguindo a simetria do sistema norte-americano. Cada
Estado não chegou a editar um código de direito material, mas sim de direito
processual. Isso em relação ao Processo Civil foi bastante importante porque
vários Estados (províncias na época) editaram seus códigos de Processo Civil,
mas poucos editaram os de Processo Penal, e os que fizeram, fizeram no sentido
de quebrar o viés liberal do código de 1832. Dando força ao poder estatal, tais
códigos tiveram ideias extremamente retrógradas.
Em
suma, esse dualismo processual que perdurou até 1934 representou um retrocesso,
porque os códigos de Processo Penal vieram “contaminados” com as ideias da
Escola Positiva.
A
Constituição de 1934 restaurou a unidade processual no ordenamento jurídico
brasileiro. Em razão disso, veio a ser promulgado o Código de Processo Civil de
1939 e o Código de Processo Penal de 1941, ainda em vigor hodiernamente.
Como
é sabido, a Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945, período que coincidiu
com os primeiros anos do nosso atual Código de Processo Penal. Nessa época, as
ideias da Escola Positiva se fizeram sentir com bastante veemência, por causa
da necessidade de Governos fortes. Basta citar para isso o exemplo da Alemanha nazista,
cujas práticas de castração e genocídio contra os judeus fez com que muitos
juízes, após o término da guerra, fossem processados por crimes contra a
humanidade. Legislação semelhante à da Alemanha nazista, foi a da Itália
fascista, a qual serviu de elaboração para nosso Código de Processo Penal.
Para
se ter uma ideia do contexto no qual foi elaborado o Código de Processo Penal
brasileiro, basta lembrar que neste período o Congresso Nacional (CN) estava
fechado. Note-se, em virtude disso, que o instrumento legislativo que criou o
referido código não foi uma lei, mas um decreto-lei.
Decreto-lei
naquela época era muito mais antidemocrático do que a medida provisória (MP) de
hoje. Esta, na verdade, surgiu na CF/88 para extinguir a figura do decreto-lei,
altamente autoritário e antidemocrático. Uma constituição dita cidadã não
poderia conviver com a figura do decreto-lei. Note-se que mesmo com a previsão
da medida provisória no nosso sistema, que deve passar pelo crivo do
parlamento, ainda assim não se pode editar código mediante medida provisória,
nem muito menos lei criminal (seja processual penal, seja de direito material).
Em
1937 foi editada uma nova Constituição, chamada de polaca, pois fora inspirada na constituição polonesa, mas que na
verdade foi um golpe de Estado, perpetrado por Vargas, um governo ditatorial. O
Código Penal e o de Processo Penal reproduzem todo esse viés autoritário da
época. Por isso, diz-se que o Código de Processo Penal é um código ditatorial e
policialesco.
Para
se ter consciência disso, basta ler a exposição de motivos do CPP. Percebemos
uma ideologia visando dar força ao Estado, de armar o Estado, de quebrar
“privilégios” dos acusados.
Logo
após a Segunda Guerra Mundial surge uma nova escola que tenta resgatar esse
viés humanitário do Direito Criminal. Veio a Escola da Nova Defesa Social,
capitaneada pelo francês Marc Ancel (1902 - 1990). Mas o Brasil ficou em estado
latente. Tivemos a Constituição de 1946, até então a mais democrática da
história brasileira, mas cuja vigência foi muito abreviada. Logo após veio o
regime militar que elaborou a Constituição de 1967, feita para atingir os fins
do novo governo (ditatorial). Essa Constituição foi elaborada pelos próprios
militares, não tendo qualquer participação popular e faltava-lhe uma declaração
de direitos fundamentais.
Ora,
para a condição de existência de um Estado moderno, segundo os moldes da
Revolução Francesa, é imprescindível a existência de duas coisas: tripartição
de poderes e uma declaração de direitos fundamentais. E a Constituição de 1967
não tinha isso.
Em toda a história
das Constituições brasileiras, nenhuma deixou de trazer a declaração de
direitos fundamentais. A Constituição de 1967 não havia trazido, passando uma
clara mensagem dos reais propósitos daqueles que assumiram o poder – os
militares. Contudo, como forma de tentar ‘remendar’ o texto, o regime militar
inseriu a declaração de direitos fundamentais no artigo 153, ou seja, na
‘rabeira’ do texto constitucional.