Resumo de trecho da monografia AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL: (RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES, de Gabriel Lucas Moura de Souza. Texto apresentado como trabalho complementar da disciplina Direito Processual I, do curso Direito Bacharelado, da UFRN, 2019.1
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Cesare Beccaria: defendia um processo penal humanizante há mais de 200 anos! |
4.4 A INVESTIGAÇÃO
PRELIMINAR: UM TERRENO ALHEIO ÀS GARANTIAS?
Neste
tópico, o autor Gabriel Lucas Moura de Souza convida-nos, através de argumentos
legais e jurisprudenciais, a conhecer melhor e questionar a investigação da
fase pré-processual.
Ora,
hodiernamente no cenário brasileiro, existem inúmeras falhas estruturais que
assolam nosso modelo de justiça criminal. Ele aponta algumas falhas: carência
generalizada de Defensorias Públicas adequadamente aparelhadas; o colapso
prisional, que reproduz reflexos diretos no quotidiano forense; o modelo de
poder judiciário, burocratizado e contraproducente, fato que distancia o juiz
da função de julgador, aproximando-o mais da figura de um gestor de unidade
jurisdicional. Somado a tudo isso, temos ainda uma verdadeira fratura no modelo
de persecução penal, qual seja, a crise da investigação preliminar.
A
crise da investigação preliminar também se explica pelo fato de poucos
estudiosos se dedicarem, com afinco acadêmico, a aprimorar o modelo de
persecução penal na sua fase pré-processual.
Essa
desatenção, como apontado por Gustavo Noronha e Vera Guilherme, se explica,
principalmente, pelo fato de nos cursos de graduação em Direito a figura do
policial passar praticamente despercebida. Ambos os autores mencionam que o
grande entusiasmo, tanto por parte dos alunos, quanto dos professores, está a
partir do art. 24 do CPP, onde começam a ser estabelecidas as regras de ações
penais. A partir do referido artigo está concentrado a maior parte do conteúdo
que ‘cairá’ nas questões dos exames da Ordem.
Desta
feita, como na academia a preocupação muitas vezes é com o que será ‘cobrado’
no exame da OAB, a figura do policial, como dito anteriormente, fica
praticamente esquecida na investigação preliminar. E não é só isso. A
subvalorização da investigação preliminar estimula o ilegalismo e contribui
para a perpetuação dessa infâmia, que é a cultura policialesca aqui no nosso
país.
Instalou-se,
assim, o que alguns estudiosos denominaram de falência do modelo de
investigação preliminar praticado no Brasil. Por causa disso, historicamente,
tanto a doutrina, quanto a jurisprudência mais tradicionais, são uníssonas em
reafirmar que a fase pré-processual é um terreno alheio às garantias, praticamente
imunizado das influências democráticas do processo penal constitucional. É como
se pudesse fazer qualquer coisa nesta fase, algo que Beccaria já condenava há
mais de 200 anos!
Corroborando
esta ideia, Romeu de Almeida Salles Jr. ao analisar o inquérito policial é
enfático ao dizer que, por representar ‘mera peça de informação’,
esta fase da persecução penal não se sujeita ao princípio do contraditório, uma
vez que eminentemente inquisitiva. Logo, a autoridade policial comanda as
investigações como bem entender, já que o inquérito não passa de ‘simples informação’.
Como
o professor doutor e juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior costuma dizer, a
fase pré-processual (da investigação criminal) muitas vezes impõe medidas
(prisão cautelar, apreensão de bens) piores que a própria pena.
Para
o autor Gabriel Lucas as palavras ‘mera’ e ‘simples’, muito utilizadas pela
doutrina, são adjetivos que só corroboram a subvalorização científica e
acadêmica dada à investigação preliminar. E quando os atos da justiça criminal
não são sujeitados à análise de uma crítica dogmática, tem-se um terreno fértil
para o autoritarismo do poder punitivo.
Com
enfoque nesse aspecto, o autor insere numa nota de rodapé a brilhante opinião
de Gustavo Badaró. Este não tem coragem de dizer para seus alunos que o
inquérito policial (IP) é um mero procedimento administrativo. Explica-se:
hoje, com base nesse 'mero' procedimento prende-se a pessoa e tira-se
todo o seu patrimônio. Ademais, não raras vezes na persecução penal, a
instrução não serve para nada além de chancelar tudo aquilo que foi decidido na
fase do IP, que de 'mero' não tem nada.