Para quem gosta de cinema e de exercer o pensamento crítico
Presos norte-americanos pouco antes da virada para o século XX: alguns parecem não ter sequer atingido a maioridade. |
A 13ª emenda da constituição
americana torna inconstitucional alguém ser mantido escravo. Em outras
palavras, concede emancipação (emancipation) e liberdade (freedom).
A todos os americanos (to all americans), sem distinção de credo, raça,
religião ou ideologia. Todavia, temos exceções, que incluem criminosos.
Existe uma cláusula, na verdade,
uma brecha: “salvo como
punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.
Quando se tem isso embutido na estrutura da própria Constituição Federal, lei
máxima de um país, pode ser utilizado como ferramenta, para qualquer propósito
que alguém se disponha a usar.
De maneira
brilhante, o documentário faz um apanhado também sob a ótica da Economia e
lembra, por meio da participação de ativistas, que a escravidão (dos afro-americanos)
era um sistema econômico.
Depois da Guerra
Civil, também conhecida como Guerra da Secessão (1861 - 1865), conflito que
colocou em lados antagônicos os estados do norte (industrializados) e os do sul
(escravocratas), a escravidão chegou ao fim.
Isso destruiu a
economia sulista, o que gerou uma grande questão: mais de quatro milhões de
pessoas faziam parte do sistema de produção do sul. Eram escravos, mas que a
partir de agora estariam livres. O que fazer com essas pessoas, vistas,
doravante, como enorme contingente de mão de obra ociosa? Como reconstruir a
economia e inserir estas pessoas no sistema produtivo, logicamente, de uma
forma vantajosa para as elites sociais, que queriam manter o status quo.
A brecha da 13ª emenda apareceu como uma
oportunidade de ouro e foi imediatamente utilizada – para sorte dos brancos e
azar dos negros... Como resultado, quase que instantaneamente após o término da
Guerra Civil, os afro-americanos foram presos em massa. Foi o primeiro surto de
prisão nos Estados Unidos, mas outros o sucederiam.
Com isso, basicamente o cidadão
retornava à condição de escravo. Como a 13ª emenda diz, salvo os criminosos,
todo mundo é livre. Mas se você é criminalizado, tal direito, tão elementar,
que é a liberdade, não se aplica a você.
Uma verdadeira avalanche de
prisões foram decretadas contra a população ‘de cor’. Crimes insignificantes,
como vadiagem ou vagabundagem davam ensejo ao encarceramento, e os presos
tinham que trabalhar.
Eram eles, os presidiários
[negros] que forneceram a mão de obra para reconstruir a devastada economia
sulista pós Guerra da Secessão. O longa-metragem, acertadamente, mescla os
depoimentos dos ativistas e especialistas com fotografias da época. Essa
técnica faz com que o telespectador se transporte para dentro daquela realidade
e se imagine vivendo aquele momento, compartilhando o sofrimento e aflições dos
presidiários negros.
Nas fotografias, vemos imagens
de homens acorrentados, vestidos com uniformes penitenciários, e portando
ferramentas de trabalho. Vemos alguns que nem parecem terem atingido a
maioridade. Nos rostos de todos, tristeza e desilusão. Seus olhos parecem nos
mostrar a dor que estão vivenciando.
É triste, mas ao mesmo tempo
arrebatador. Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Ao inserir
fotos de afro descendentes acorrentados por grilhões, numa era em que a
escravidão já não mais existia, os produtores do documentário acertaram em
cheio. (Mais adiante no documentário, os produtores, com autorização expressa
das famílias das vítimas, inseriu vídeos de abordagens policiais nas quais
jovens afro americanos são, sumariamente, assassinados.)
Como forma de tentar justificar
o injustificável, nesse período também surge um discurso de ódio, uma pseudo
mitologia, querendo passar a imagem da criminalidade como algo inerente á
condição dos negros. A retórica que as pessoas da época utilizavam era a de que
os negros estavam fora de controle. Tentaram, com isso, justificar o
aprisionamento em massa, como maneira de se proteger as famílias de bem.
Mas quem eram essas
famílias de bem? A quem beneficiaria que os afro descendentes fossem tolhidos
de seu convívio em sociedade?
(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário