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sexta-feira, 18 de junho de 2021

TEOREMA DE COASE (II)

Para cidadãos, investidores e concurseiros de plantão. 


Imagine uma fazenda de milho do lado de outra onde se criam gado. Entre ambas há uma cerca defeituosa. 

Suponha, agora, que o prejuízo causado ao produtor de milho pelo gado do vizinho seja de $ 120, e que o ganho ao pecuarista pelo fato de os seus animais pastarem na terra alheia seja de $ 100. Agora, imagine que o custo para consertar a cerca seja de $ 40.

Ora, se as duas propriedades pertencessem a um único dono, a solução seria óbvia: não consertar a cerca, pois o custo de tal empreitada (o conserto e todas as preocupações de uma obra, por mais simples que pareça) excederia a perda líquida no status quo

Faria diferença, em se tratando de diferentes donos, se um tribunal imputasse responsabilidade ao pecuarista, condenando-o ou a pagar os danos causados ao produtor de milho ou a consertar a cerca?

Não, porque o pecuarista preferiria reembolsar o vizinho a consertar a cerca, validando a posição anterior.

E se, de alguma forma, o pecuarista conseguisse evitar a imputação de responsabilidade, o resultado final seria diferente?

Tampouco, pois nesta hipótese o produtor de milho poderia, em uma negociação, conseguir até $ 100 do pecuarista, para que a cerca não fosse consertada. Como nesta hipótese a perda líquida para o produtor de milho seria inferior ao custo da cerca, também seria a melhor saída para ambos.

Ou seja, independentemente da imputação de responsabilidade legal, na ausência de custos na transação o uso mais eficiente de recursos, no caso produzido pela manutenção do status quo, seria sempre atingido.

Obviamente que a hipótese de não existirem custos de transação raramente é encontrada na prática. Contudo, o raciocínio de Ronald Coase difere fundamentalmente da racionalidade jurídica, não apenas por introduzir considerações de eficiência econômica, mas também por não se concentrar na alocação de responsabilidades.

Na hipótese suscitada, assim como o gado cria um dano ao vizinho, a cerca também cria um dano ao pecuarista. O que importaria para a Economia é que o valor agregado total fosse maximizado, independentemente de considerações legais ou éticas.

Ora, tal conclusão que, para o público em geral pode soar como amoral ou cínica, é também motivo de execração para os que atuam no mundo do Direito. 

Fonte: Direito, Economia e Mercados, de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, XVI - XVII.

  

(A imagem acima foi copiada do link Images Google.) 

terça-feira, 2 de junho de 2020

"Não troco um só trabalhador brasileiro por cem desses grã-finos arrumadinhos".

Corpo de Jango é exumado no RS - ÉPOCA | Tempo
Jango, ao lado da esposa, discursa para as 'massas': ele propunha as 'Reformas Estruturais', que tirariam muitos privilégios das elites nacionais. Por causa disso, acabou sendo deposto por um golpe militar. 

João Belchior Marques Goulart (1919 - 1976): advogado e político brasileiro, ocupou o cargo de 24º presidente do Brasil e era conhecido popularmente como "Jango". João Goulart ocupava a Presidência da República quando foi deposto pelo golpe militar. As chamadas Reformas de Base, propostas pelo Presidente, desagradaram as elites brasileiras, que apoiaram o alto escalão do Exército e deram o golpe de 1964. Ironicamente, estas mesmas Reformas de Base propostas por Jango, mas não implementadas por causa das elites, que queriam manter o status quo, moldaram o Estado brasileiro após a redemocratização e inspiraram grandemente a Constituição Federal de 1988.

(A imagem acima foi copiada do link Revista Época.)

quinta-feira, 20 de junho de 2019

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL (V)

Resumo de trecho da monografia AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL: (RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES, de Gabriel Lucas Moura de Souza. Texto apresentado como trabalho complementar da disciplina Direito Processual I, do curso Direito Bacharelado, da UFRN, 2019.1

Advogado: peça essencial à administração da Justiça.
O autor faz uma crítica, acertada, por sinal, da maneira discriminatória como o processo penal se desenvolve, a depender da situação financeira do investigado. Ora, quando estamos frente a uma clientela comum (leia-se pobre), o processo penal não produz provas, tendendo a reafirmar os elementos de informação colhidos na investigação preliminar. Já quando se trata de um clientela vip (ricos), a persecução penal é diferente: temos uma gama de sofisticados e avançados meios tecnológicos de prova, sem contar na justiça negocial.

No que tange à legislação pertinente ao assunto, o autor Gabriel Lucas cita dois diplomas: as Leis 12.830, de julho de 2013, e, mais recentemente, a 13.245, de 12 de janeiro de 2016.

A Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal coordenada pelo Delegado de Polícia, na verdade normatizou situações já conhecidas, atendendo aos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Tal lei fez um esforço, no sentido de tentar aproximar a figura do delegado das demais carreiras forenses, afastando-o da condição policial e realçando o caráter jurídico da atividade inerente a um delegado de polícia. Toda mudança, tendente a interferir no status quo, geralmente é lenta e gradual. Contudo, a Lei 12.830/2013 já dá o pontapé inicial para que se desmilitarize o ensino e a formação do delegado de polícia.

 Ele cita, por exemplo, o art. 3º que estipula que o cargo de delegado de polícia deve ser privativo do bacharel em Direito. E mais, ao delegado deve ser dispensado o mesmo tratamento protocolar recebido pelos magistrados, pelos membros da Defensoria Pública, pelo Ministério Público e pelos advogados.

A Lei 13.245/2016, por seu turno, reafirmou o movimento de aproximação da investigação preliminar com alguns institutos democráticos assegurados pelo texto constitucional, como a ampla defesa, o contraditório e a publicidade. O autor cita em seu artigo dois assuntos interligados, porém distintos: a) o acesso do advogado aos autos de investigação; e, b) nulidades no corpo do inquérito policial.

Com relação ao primeiro, o autor salienta que a regulamentação legal já havia sido abordada na Súmula Vinculante 14: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". O que aconteceu foi que acrescentou-se a possibilidade de responsabilização criminal e funcional para quem obstar o acesso do advogado, com o objetivo de prejudicar a defesa. 

No que se refere ao segundo aspecto, a Lei 13.245/2016 alterou o art. 7º da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). A inovação foi o disciplinamento sobre nulidades no corpo do inquérito policial. A nova redação ficou assim: "XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;".

Observa-se, pois, que a legislação em comento não apenas conteve-se em prever uma ampliação da atuação da defesa no inquérito policial. Como bem explicou o autor do artigo, ela atrelou a desobediência a esse mandamento à nulidade absoluta, numa clara preocupação com o repeito à forma dos atos. 

Quanto a isso, é importante salientar duas situações trazidas pelo autor, nas notas de rodapé da pág. 83. A primeira é de um agravo regimental no mandato de segurança nº 22.771/GO, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que se posicionou no sentido de que tais dispositivos legais asseguram ao réu somente o direito de ser acompanhado por advogado de defesa em seu próprio depoimento. Não constitui, portanto, nulidade capaz de macular todo o procedimento investigatório criminal que precedeu a ação penal, o simples fato de o advogado de um dos réus não ter comparecido ao interrogatório dos outros corréus, desde que, por óbvio, lhe tenha sido facultado o acesso à transcrição de tais depoimentos.


(A imagem acima foi copiada do link Dubbio.)

quinta-feira, 14 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (II)

Para quem gosta de cinema e de exercer o pensamento crítico

Presos norte-americanos pouco antes da virada para o século XX: alguns parecem não ter sequer atingido a maioridade.

A 13ª emenda da constituição americana torna inconstitucional alguém ser mantido escravo. Em outras palavras, concede emancipação (emancipation) e liberdade (freedom). A todos os americanos (to all americans), sem distinção de credo, raça, religião ou ideologia. Todavia, temos exceções, que incluem criminosos.

Existe uma cláusula, na verdade, uma brecha: salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”. Quando se tem isso embutido na estrutura da própria Constituição Federal, lei máxima de um país, pode ser utilizado como ferramenta, para qualquer propósito que alguém se disponha a usar.

De maneira brilhante, o documentário faz um apanhado também sob a ótica da Economia e lembra, por meio da participação de ativistas, que a escravidão (dos afro-americanos) era um sistema econômico.

Depois da Guerra Civil, também conhecida como Guerra da Secessão (1861 - 1865), conflito que colocou em lados antagônicos os estados do norte (industrializados) e os do sul (escravocratas), a escravidão chegou ao fim.

Isso destruiu a economia sulista, o que gerou uma grande questão: mais de quatro milhões de pessoas faziam parte do sistema de produção do sul. Eram escravos, mas que a partir de agora estariam livres. O que fazer com essas pessoas, vistas, doravante, como enorme contingente de mão de obra ociosa? Como reconstruir a economia e inserir estas pessoas no sistema produtivo, logicamente, de uma forma vantajosa para as elites sociais, que queriam manter o status quo.

A brecha da 13ª emenda apareceu como uma oportunidade de ouro e foi imediatamente utilizada – para sorte dos brancos e azar dos negros... Como resultado, quase que instantaneamente após o término da Guerra Civil, os afro-americanos foram presos em massa. Foi o primeiro surto de prisão nos Estados Unidos, mas outros o sucederiam.

Com isso, basicamente o cidadão retornava à condição de escravo. Como a 13ª emenda diz, salvo os criminosos, todo mundo é livre. Mas se você é criminalizado, tal direito, tão elementar, que é a liberdade, não se aplica a você.

Uma verdadeira avalanche de prisões foram decretadas contra a população ‘de cor’. Crimes insignificantes, como vadiagem ou vagabundagem davam ensejo ao encarceramento, e os presos tinham que trabalhar.

Eram eles, os presidiários [negros] que forneceram a mão de obra para reconstruir a devastada economia sulista pós Guerra da Secessão. O longa-metragem, acertadamente, mescla os depoimentos dos ativistas e especialistas com fotografias da época. Essa técnica faz com que o telespectador se transporte para dentro daquela realidade e se imagine vivendo aquele momento, compartilhando o sofrimento e aflições dos presidiários negros.

Nas fotografias, vemos imagens de homens acorrentados, vestidos com uniformes penitenciários, e portando ferramentas de trabalho. Vemos alguns que nem parecem terem atingido a maioridade. Nos rostos de todos, tristeza e desilusão. Seus olhos parecem nos mostrar a dor que estão vivenciando.

É triste, mas ao mesmo tempo arrebatador. Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Ao inserir fotos de afro descendentes acorrentados por grilhões, numa era em que a escravidão já não mais existia, os produtores do documentário acertaram em cheio. (Mais adiante no documentário, os produtores, com autorização expressa das famílias das vítimas, inseriu vídeos de abordagens policiais nas quais jovens afro americanos são, sumariamente, assassinados.) 

Como forma de tentar justificar o injustificável, nesse período também surge um discurso de ódio, uma pseudo mitologia, querendo passar a imagem da criminalidade como algo inerente á condição dos negros. A retórica que as pessoas da época utilizavam era a de que os negros estavam fora de controle. Tentaram, com isso, justificar o aprisionamento em massa, como maneira de se proteger as famílias de bem. 

Mas quem eram essas famílias de bem? A quem beneficiaria que os afro descendentes fossem tolhidos de seu convívio em sociedade?


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)