Resumo de trecho da monografia AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL: (RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES, de Gabriel Lucas Moura de Souza. Texto apresentado como trabalho complementar da disciplina Direito Processual I, do curso Direito Bacharelado, da UFRN, 2019.1
4.3 PARA ALÉM DO PRINCÍPIO
DO INTERESSE: REVISITAÇÃO CRÍTICA SOBRE O PAPEL DOS SUJEITOS PROCESSUAIS FRENTE
À NULIDADE
Neste
tópico, o autor Gabriel Lucas Moura de Souza discorre de maneira crítica a
respeito do papel dos sujeitos processuais no que concerne à nulidade
processual. Ele começa falando do chamado princípio do interesse,
insculpido no art. 565, do CPP: "Nenhuma das partes poderá arguir
nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a
formalidade cuja observância só à parte contrária interesse".
Ora,
apesar de aparentemente o texto parecer claro, tal construção merece um exame
mais detalhado, mormente a respeito do papel desempenhado pelo Ministério
Público (MP), quando inserido no paradigma do chamado processo penal
democrático
É
inegável que o MP atue como parte no processo penal, até porque é responsável
por levar a pretensão punitiva a juízo. Ao mesmo tempo, não apresenta interesse
pessoal na causa, visto que postula em nome do interesse público, não devendo,
pois, ser movido por interesses pessoais, nem se deixar influenciar por
sentimentos como amizade, ganância, ódio, medo etc.
Por
causa disso, aponta Gabriel Lucas, o parquet é elemento
imprescindível para reafirmação do modelo acusatório de processo penal no
contexto democrático. O MP, ao mesmo tempo que afasta o magistrado dos impulsos
inquisitoriais, substitui a vingança privada e dá ares de impessoalidade e
legalidade ao processo.
Assim,
o parquet não é apenas parte no processo, mas uma parte
especial. Ao não se prestigiar isso, tornando-o dispensável no processo,
incorre-se na possibilidade de se reviver o fantasma do modelo
inquisitivo.
Mas,
como lembrado pelo autor do artigo, o interesse do Ministério Público não deve ser
entendido de forma ampla. Ora, quando comparado à defesa, o MP deve ter um
espaço de legitimidade para arguição de nulidades bem menor. Explica-se: é
inviável (e, porque não dizer, injusto) que se dê tratamento igual a sujeitos
ontologicamente desiguais. É justamente por causa dessa desigualdade entre MP e
defesa que nosso ordenamento jurídico prevê, por exemplo, como instrumentos
destinados a tutelar direitos e garantias fundamentais exclusivamente do
acusado, a revisão criminal e o habeas corpus.
O
autor também salienta que a instrumentalidade constitucional do processo penal
norteia-se pela hipossuficiência do acusado frente ao jus puniendi do
Estado. Acusação e defesa não estão em pé de igualdade no processo penal, não
podendo, dessa forma, ser dispensado para ambos o mesmo tratamento no que
concerne às nulidades. Assim, é imperativo que sejam concedidas determinadas
vantagens processuais a fim de se dar ao processo penal uma conotação
protetiva. A ideia de desigualdade limita o exercício do poder punitivo estatal
e garante a defesa de forma ampla.
Havendo
quebra nessa relação, estaremos diante de uma nulidade.
Neste
sentido, o autor Gabriel Lucas salienta, por exemplo, que para ser reconhecida
nulidade em desfavor do acusado não basta que o interesse do parquet esteja
claro, isto é, não basta que tenha havido dano para a acusação. É
imprescindível que o prejuízo causado ao MP seja de tal relevância
que enseje a inviabilização da conformação acusatória do processo penal. Logo,
caso seja violado o modelo acusatório, o MP deverá se manifestar e ter
reconhecida a nulidade, uma vez que um vício desta natureza infringe a
instrumentalidade constitucional do processo, revivendo o modelo
acusatório.
Ainda
com relação à nulidade em desfavor do acusado, somente será possível em casos
extremos (afronta ao princípio acusatório), e desde que não existam elementos
hábeis para uma sentença condenatória. Isso é chamado por Ricardo Jacobsen
Gloeckner de princípio da escusa absolutória.
Como
bem salientado pelo autor, caso seja declarada, a nulidade consubstancia-se
como verdadeira contra-garantia, sendo, pois, prejudicial ao acusado. Se isso
acontecer, estaremos diante de uma interpretação temerária, pro
societate, da disciplina das nulidades. Estaríamos, então, dando a elas
tons punitivos, ao invés de contornos garantistas.