Fragmento de texto apresentado na disciplina Direito Civil III, do curso Direito Bacharelado (4º semestre), da UFRN
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Imperador Hamurabi: evidências arqueológicas comprovam que durante seu reinado foram fechados empréstimos de longo prazo com taxas parecidas com as que conhecemos hoje como juros compostos. |
3. ANTIGA MESOPOTÂMIA: CONTRATOS
CUNHADOS EM ARGILA
A
região da Mesopotâmia correspondia a uma vasta área de terra bastante fértil,
localizada entre os rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, correspondendo
hoje ao atual Iraque. O império mesopotâmico, que se constituiu numa das
civilizações mais antigas da história, era composto pelos seguintes povos:
babilônicos, sumérios, caldeus, assírios, arameus, acádios, persas, hititas,
medos e amoritas.
Na
antiga Mesopotâmia, começando há cerca de quatro ou cinco mil anos, as pessoas da
cidade da Babilônia utilizavam-se de “fichas” de argila para registrar
transações envolvendo produtos dos mais variados tipos, tais como cevada,
peles, frutas, prata, carnes, peixes, tecidos, bebidas.
Objetos
cunhados de prata obviamente serviam como dinheiro - na verdade a prata foi
utilizada como matéria prima para cunhagem de moedas por inúmeros outros povos
- masas tábuas de argila eram igualmente importantes. Muitas dessas placas
sobreviveram ao passar dos milênios, chegando até nossos dias.
Elas
representam um testemunho material e palpável de que, quando os seres humanos
começaram a produzir registros escritos de suas respectivas atividades, eles
agiram assim não para escrever história, literatura ou filosofia, mas para
fazer negócios. Tal qual fazemos hoje.
É
espantoso e ao mesmo tempo assombroso imaginarmos que esses antigos
instrumentos, feitos de um material tão frágil como a argila duraram tanto
tempo. Eles servem para demonstrar a engenhosidade humana para fazer acordos,
registrando essa vontade num meio físico palpável.
De
acordo com as características modernas dos contratos, bem como para a
finalidade a qual se presta, este trabalho considera as “fichas” de argila da
antiga Mesopotâmia como a primeira espécie de contrato de que se tem notícia.
Uma
dessas tais “fichas”, cujo estado de conservação impressiona, da cidade de
Sippar (atualmente Tell Abu Habbah, no Iraque), remonta ao reinado de
Ammi-ditana (1683 – 1647 a.C.). Declara que seu portador deve receber uma
quantia específica de cevada na época da colheita.
Outra
“ficha”, produzida no reinado de Ammi-saduqa (sucessor de Ammi-ditana), declara
que o portador deveria receber uma quantidade de prata no final de uma jornada.Os
dois exemplos representam uma tentativa, embora ainda incipiente, de se
estabelecer uma relação contratual mais ou menos nos parâmetros como conhecemos
hoje: houve um acordo de vontades, expresso num instrumento, apto a produzir,
conservar ou extinguir direitos.
Se
a utilidade básica das tábuas de argila nos parece familiar, é porque elas nos
trazem uma vaga lembrança dos contratos bancários, principalmente se a
equipararmos com uma nota bancária. Ora, as notas bancárias tal como a
conhecemos hoje surgiram na China, por volta do século VII. São pedaços de
papel que não possuem qualquer valor intrínseco.
Elas
representam pura e simplesmente promessas de pagamento (daí veio sua designação
original no Ocidente, como “notas promissórias”), função desempenhada
exatamente como as primitivas tábuas de argila da antiga cidade da Babilônia,
quatro ou cinco séculos atrás.
Atualmente,
com o advento da tecnologia, o chamado dinheiro eletrônico movimenta a economia
global sem sequer ter uma aparência física no mundo real. Trilhões de dólares
em valores circulam diariamente em operações financeiras, compras no cartão de
crédito, pagamentos de boletos, tudo sem jamais se materializar fisicamente.Como
tudo isso é possível, se não chegamos a pegar no dinheiro?
Não
se trata da forma que o dinheiro adquire, se em moeda, códigos binários,
lingotes de ouro ou argila. Trata-se de vontade mútua e confiança registrada, e
a forma mais usual que os seres humanos encontraram para registrar essa
confiança foi na forma de contrato.
Portanto,
pouco importa a maneira com que o contrato é redigido: se em papel, fichas de
argila, tiras de couro ou sobre uma tela de cristal líquido, duas vontades
humanas devem convergir para o mesmo fim, além da boa e velha confiança (não é
por acaso que a raiz da palavra “crédito” seja a palavra latina credo, ou seja, “eu acredito”).
Essa
confiança, hodiernamente, vem consubstanciada na pacta sunt servanda,
brocardo latino que significa “os pactos assumidos devem ser respeitados”, ou ainda,
“os contratos assinados devem ser cumpridos”.
As
tábuas de argila da Mesopotâmia cumpriram esse papel de primeiros contratos, com
características bem peculiares a contratos bancários (crédito/empréstimo). As
transações registradas em cada uma delas revelam o reembolso de commodities que haviam sido emprestadas
(prata, grãos, trigo, cevada),bem como a importância devida e o dia do
pagamento.
Ao
que tudo indica esse sistema de empréstimos da antiga Mesopotâmia, onde as
tábulas de argila funcionavam, ao mesmo tempo, como contrato e garantia, era
bastante sofisticado. Os “recibos” de argila eram emitidos para aqueles que efetuavam
“depósitos” de commodities e outros
grãos junto aos palácios reais ou templos.
Interessante
salientar que os mesopotâmicos esperavam dos tomadores de empréstimos o
pagamento de juros, numa taxa frequentemente estipulada a no máximo 20% (vinte
porcento). Esse conceito de juros provavelmente teve origem no crescimento natural
de um rebanho de animais.
Os
mesopotâmios nos deixaram legados importantes, nas mais variadas áreas do
conhecimento humano: na Arquitetura, com a construção de gigantescos monumentos
(zigurates, Torre de Babel, Jardins Suspensos da Babilônia); no Direito,
através da criação dos primeiros códigos jurídicos (Código de Hamurabi, Lei de
Talião);nas linguagens, com a criação e desenvolvimento da escrita cuneiforme;
na arte da guerra: foram os primeiros a encarar as guerras como forma de
ampliar territórios e manter poder; e, nas ciências, através de matemáticos e
astrólogos, os babilônios desenvolveram um calendário, o relógio de sol, a hora
de 60’ (sessenta) minutos e o círculo de 360º (trezentos e sessenta graus).
Evidências arqueológicas
do reinado de Hamurabi (1792 – 1750 a. C.) sugerem que, em empréstimos de longo
prazo, podem ter sido cobradas taxas que hoje conhecemos como juros compostos. O
conceito de juros compostos foi muito bem assimilado, milênios depois, pelos
grupos que lançaram as bases do sistema financeiro moderno, dentre eles os
Cavaleiros Templários.
Aprenda mais lendo em:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: Contratos e Atos Unilaterais – 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2011. pp 728.
RAJAN, Raghuram G.; ZINGALES, Luigi. Salvando o Capitalismo dos Capitalistas: acreditando no poder do livre mercado para criar mais riqueza e ampliar as oportunidades; tradução de Maria José Cyhlar Monteiro. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
FERGUSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro: a História Financeira do Mundo; tradução de Cordelia Magalhães. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços; 18ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010. 1024 p.
VadeMecum compacto/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva. com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 8ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
BRASIL. Lei da Reforma Bancária, Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
(A imagem acima foi copiada do link Prof. William.)