terça-feira, 19 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (X)

Excelente documentário; toda pessoa deveria assistir



Além de privatizar o sistema prisional, o ALEC agora também tem o interesse de privatizar a liberdade condicional. Outras formas de privação da liberdade também já estão em pauta, como tornozeleiras eletrônicas, monitoramento por Global Positioning System (GPS) e a prisão domiciliar para menores. É o capital reinventando novas formas de obter lucro, às custas da liberdade das pessoas.

Ora, a reforma do sistema carcerário não é benéfica para essas empresas privadas que lucram com o encarceramento em massa. Elas sempre procurarão novas formas de lucrar com o cerceamento da liberdade individual. E têm feito isso de uma forma dissimulada, bem debaixo do nosso nariz, e não estamos percebendo isso.

O complexo industrial presidiário, cuja base se sustenta no encarceramento em massa, depende deste para sobreviver. Isso é fato. Privatizar as penitenciárias, tirando do Estado a tarefa de cuidar dos presos, não está sendo benéfico para a sociedade. Então, a quem interessa continuar com este modelo opressor, caro e ineficiente?

Vejamos: uma empresa de telefonia que fornece serviços de telecomunicações entre detentos e suas famílias, segundo o documentário, teve um lucro no ano anterior ao lançamento do longa-metragem de US$ 114 milhões (cento e quatorze milhões de dólares). Como fizeram isso? Inflacionando o preço das ligações que os presos fazem para seus familiares e amigos. Outro caso, envolvendo uma empresa que fornece alimentação para os presos, foi acusada de estar fornecendo ‘quentinhas’ com vermes.

Outra empresa correcional, teve um faturamento anual de cerca de US$ 900 milhões (novecentos milhões de dólares). A fórmula do sucesso? Parcerias entre indústrias correcionais e empresas privadas. Aquelas vendem mão de obra dos detentos, que é de graça para elas, e lucram absurdamente com isso. É, sem sombra de dúvidas, uma nova espécie de escravidão.

Em suma, grandes corporações estão atuando em penitenciárias e lucrando com as prisões. A indústria presidiária se tornou tão grande que está praticamente impossível se livrar delas. Existem muitas autoridades envolvidas, e muita ‘grana’ rolando solta. E quando essas duas coisas se juntam...

O povo precisa tomar o poder de volta. É a única maneira, sob pena de continuar a sociedade refém de um sistema opressor, injusto e racista.

O documentário também aponta outro dado alarmante. Milhares de pessoas, presas injustamente, estão nas cadeias hoje simplesmente porque não têm dinheiro, seja para pagar fiança, seja para pagar um bom advogado. E isso na terra da liberdade.

O sistema judicial americano trata melhor o rico culpado, do que o pobre inocente. A riqueza, e não a culpabilidade é o que está moldando a justiça.

Então, o sistema de justiça não funciona? Segundo os especialistas ouvidos, não é bem assim. Se todas as pessoas quisessem ir a julgamento, o sistema judicial simplesmente não comportaria. Entraria em colapso. Não existem juízes suficientes para julgarem todas as demandas. Então, como funciona na prática? Através de ‘acordos’.

Geralmente o promotor diz: “você pode fazer um acordo e lhe daremos três anos de prisão. Se for a julgamento, vai pegar trinta. Quer arriscar? À vontade”. Ninguém se arrisca. Cerca de 97% (noventa e sete por cento) das pessoas que foram presas fazem acordo com o promotor. Isso é uma das piores violações dos direitos humanos que se pode imaginar nos Estados Unidos.

As pessoas simplesmente se declaram culpadas de crimes que não cometeram, porque têm medo de serem condenadas e cumprir as chamadas penas mínimas obrigatórias, geralmente maiores que as penas aplicadas quando do acordo. Na prática, a justiça está punindo aqueles que têm a ‘audácia’ de não aceitarem um acordo e quererem um julgamento.

Depois de provada sua inocência, a pessoa presa é posta em liberdade. Mas tudo o que ela passou na cadeia, as brigas, os insultos, a honra que foi manchada, o tempo que ficou longe da família e dos amigos, a dignidade desrespeitada, não tem como recuperar. É um mal que não pode ser apagado e segue o ex-detento por toda a vida. E isso acontece todos os dias. A angústia, a vergonha, o sentimento de impotência é tamanho, que não são raros os presos que cometem suicídio.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (IX)

Excelente documentário da Netflix



O documentário A 13ª Emenda foi lançado em 2016. Dois anos antes, em 2014, a população carcerária dos Estados Unidos atingiu o recorde de 2.306.200 presos.

Quando um afro descendente comete um crime, por mais simples que seja, vai sumariamente preso. Mas quando um homem branco comete um crime? Ora, o tratamento é diferenciado. No documentário temos vários exemplos de crimes brutais perpetrados por brancos contra negros, mas aqueles simplesmente se safam.

O primeiro exemplo mostrado é de um homem branco que atira e mata um adolescente negro de 17 (dezessete) anos. O motivo, o garoto estava andando em atitude suspeita. A atitude suspeita? Ser um garoto ‘de cor’ num condomínio de brancos. A polícia (da Flórida) não prendeu o assassino. Ele se safou devido a uma brecha na legislação. Além de não ser condenado por homicídio, no tribunal ele alegou legítima defesa e foi inocentado... Absurdo!

O culpado por essa aberração, uma lei chamada “Não Ceda Território”, aprovada por um grupo lobista político chamado ALEC – American Legislative Exchange Council (Conselho Legislativo de Intercâmbio Americano). É um grupo corporativo composto por políticos e corporações. Estas elaboram leis de seus interesses e as entregam para os políticos, que as aprovam e muito provavelmente recebem algo em troca. Todos saem ganhando, mas perde a democracia, perde a moral, perde o cidadão.

O ALEC influencia a elaboração de leis nos EUA há décadas. Uma das corporações que integram o ALEC, por exemplo, é o WalMart. Este foi muito recompensado com leis pró armamentos, uma vez que a rede WalMart é o maior revendedor de armas longas (rifles) dos Estados Unidos, e o maior distribuidor de munições do mundo.

Mas a relação promíscua entre empresas (capital) e Estado não para por aí. No documentário temos o exemplo da empresa CCA (Corrections Corporation of America), que constrói, gerencia e é dona de penitenciárias. Ela foi a primeira empresa privada a atuar em presídios nos EUA, começando pequena em 1983, no Tennessee.

Empresas como ela expandem suas operações para vários Estados, firmam contratos com estes e os obrigam a manterem os presídios sempre cheios – mesmo que ninguém cometesse crime algum... No fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 isso se tornou uma indústria em crescimento, como nunca se tinha visto antes na história dos Estados Unidos. Era um modelo de sucesso garantido.

Essa indústria carcerária foi mantida por leis que ensejavam um encarceramento em massa. Muitas destas leis, propostas pelo ALEC: três strikes e está fora; pena mínima obrigatória, a qual impunha que o apenado fosse obrigado a cumprir, pelo menos, 85% (oitenta e cinco por cento) da pena – o que na prática, impedia a liberdade condicional ou por fiança.

O documentário A 13ª Emenda mostrou que, o intuito dessas medidas era manter um afluxo constante de seres humanos para os presídios, o que aumentaria o lucro cada vez mais dos acionistas. A CCA, por exemplo, se tornou a líder das prisões privatizadas, que hoje é um negócio multibilionário.

Para esses grupos, a busca incessante pelo lucro é mais importante que a liberdade, a dignidade e a vida das pessoas.

Mas o documentário não foi tendencioso. Ouviu também a outra parte, qual seja, um representante dos grupos privados que administram as penitenciárias. O representante, obviamente, desacreditou todos os fatos apresentados contra seu grupo empresarial, dizendo que não passavam de mentiras.

Outra lei absurda, instigada pelo ALEC, dava à polícia o poder de parar qualquer pessoa, que julgasse imigrante. Isso contribuiu para um novo afluxo de pessoas para as prisões. No estado do Arizona, por exemplo, milhares de imigrantes ilegais têm abarrotado as prisões. Muitos desses imigrantes são crianças. O contrato – para prender imigrantes – dá ao grupo que administra os presídios, uma soma mensal que ultrapassa os US$ 11 milhões (onze milhões de dólares). Bom para os empresários; péssimo para os detentos, que são mantidos em cadeias em situações deploráveis. 

O estereótipo antes ligado aos negros, agora também estava sendo atribuído aos imigrantes. Donald Trump, inúmeras vezes disse que alguns imigrantes eram bons, mas a maioria era de ladrões, estupradores, criminosos. É o discurso do ódio, mais uma vez, sendo utilizado como desculpa para o encarceramento em massa.


(A imagem acima foi copiada do link Forasteiros.net.)

segunda-feira, 18 de março de 2019

OS “REALITY SHOWS” NO BRASIL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Texto apresentado como atividade complementar, da disciplina Direito Civil IV, do curso Direito bacharelado - noturno -, semestre 2019.1, da UFRN



   Os direitos de personalidade são entendidos pela doutrina e pela jurisprudência, em regra, como irrenunciáveis e intransmissíveis. Tais direitos consubstanciam-se na faculdade que toda pessoa tem de comandar o uso da própria aparência, corpo, imagem, nome ou qualquer outra característica atinente à sua identidade.

Tradicionalmente, entende-se a personalidade como aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, ligada à ideia de ser sujeito de direitos. Conforme o Código Civil, art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

O começo da personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei protege, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, art. 2º). Logo, basta nascer e respirar pela primeira vez para se tornar uma pessoa humana, suscetível de adquirir direitos e contrair obrigações.

Em que pese serem vistos como direitos atinentes à promoção da pessoa na defesa de sua essencialidade e dignidade, o reconhecimento dos direitos de personalidade – como categoria de direito subjetivo – é relativamente recente.

Foram criados após 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, segundo o filósofo canadense Charles Taylor (1931 -), pressupõem três condições essenciais: autonomia da vontade, alteridade e dignidade.

Já a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X, nos lembra que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Ora, tais institutos relacionados com os direitos de personalidade – alteridade, autonomia da vontade, dignidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, inviolabilidade –, são desrespeitados, relativizados e escamoteados quando se trata dos “reality shows”.

Os reality shows são um gênero de programa de televisão baseados na vida real. Dotado de diversos formatos apresentam, literalmente, todos os aspectos da vida dos participantes, de maneira invasiva, sem “cortes” e com forte apelo sensacionalista.

Os reality shows começaram na TV aberta brasileira a partir dos anos 2000. De lá para cá se popularizaram na cultura de massa e foram explorados por quase todas as emissoras de televisão.

Os mais famosos, não por qualidade ou bom gosto, mas pelas polêmicas que geraram, foram: No Limite (Rede Globo), Big Brother Brasil (Rede Globo), A Fazenda (Record TV), Casa dos Artistas (SBT), Supernanny (SBT), O Aprendiz (Band) e Mulheres Ricas (SBT).

Nestes programas é comum os participantes assinarem um contrato onde abrem mão do seu direito de imagem, da intimidade, da autonomia de vontade, da honra, da vida privada, da dignidade.

Nos reality shows vemos pessoas comuns que, em nome da fama (mesmo que passageira) acabam dispondo de algo irrenunciável: sua vida íntima. E os produtores de tais programas sabem do poder que detém nas mãos quando se trata dos ‘competidores’ desses programas. A ‘direção da casa’ tem, literalmente, carta branca para fazer o que quiser, quando quiser, com quem quiser.

Cenas de sexo explícito, fofocas, brigas, tudo ao vivo!!! Um verdadeiro show de horrores, capaz de causar nas mentes mais cultas ânsia de vômito. Mas ao contrário do bom senso, o grande público parece não se importar muito com isso.

Parece um ciclo vicioso. Quanto mais os participantes têm suas vidas privadas devassadas, sua intimidade invadida e sua dignidade como pessoa humana jogada na lata do lixo, mais os telespectadores gostam, a audiência aumenta, e mais a direção do programa explora a imagem dos participantes.

A intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, apesar de constitucionalmente tutelados, não parecem receber o devido valor e o devido respeito nos reality shows apresentados na TV brasileira. 

Em nome do lucro e da fama fugaz o direito de personalidade, direito fundamental tão imprescindível para a dignidade da pessoa humana, conquistado ao longo da história através de duras lutas sociais, tem sido relegado a segundo plano. E o mais impressionante é que ninguém parece se importar com isso. Lamentável...


Bibliografia:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p;

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico;

Direitos da personalidade, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_da_personalidade;


Reality show, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reality_show.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (VIII)

Para quem é inteligente e gosta de documentário


O documentário faz o seguinte questionamento. Ora, os EUA são uma nação que professa a liberdade; paradoxalmente, tem um encarceramento em massa, um hiperencarceramento. Para o senador Cory Booker, este hiperencarceramento está, literalmente, capturando e dilacerando os cidadãos mais vulneráveis. E este sistema carcerário é predominantemente preconceituoso e dirigido às pessoas ‘de cor’.

Como resultado dessa política de encarceramento o número de presos subiu vertiginosamente. No ano 2000, os EUA tinham presas 2.015.300 pessoas. As medidas falharam? O próprio Clinton admitiu, anos depois, que sim, ele disse: “eu assinei uma lei que piorou o problema. Eu admito isso”.

Ok, o próprio ex-presidente que assinou a lei que piorava o encarceramento pediu desculpas e admitiu que a mesma foi um erro. Mas, e as pessoas que tiveram sua liberdade tolhida? E aqueles inocentes que, sentenciados a uma pena injusta e, humilhados e envergonhados, cometeram suicídio? E as famílias despedaçadas? E as crianças órfãs? O documentário levanta alguns questionamentos que até hoje não foram respondidos...

O documentário A 13ª Emenda fala também dos ícones na luta pelos direitos dos afro americanos. Líderes ativistas como Luther King (1929 - 1968) e Malcolm X (1925 - 1965) também sofreram em suas épocas, defendendo um ideal de liberdade para os negros. Ambos foram mortos, e até hoje a situação dos afrodescendentes não parece ter melhorado muito.

Outro grande líder afro, Fred Hampton (1948 - 1969), com apenas 21 anos de idade conseguiu reunir negros, latinos, indígenas em defesa de seus direitos. Ele era integrante dos Panteras Negras e foi brutalmente assassinado pela polícia de Chicago. Tamanho era o medo de um líder que podia unir as pessoas, que a polícia, no caso de Hampton não lhe deu, sequer, alguma chance de defesa. Já entrou atirando na casa onde ele se encontrava com a mulher grávida, às 4h:50min da manhã.

Essas foram apenas algumas histórias de pessoas valorosos que ousaram desafiar o ‘sistema’. Como represália, o ‘sistema’ as matou, as exilou, excluiu, encontrou maneiras de desacreditá-las.

Outra grande líder negra lembrada no documentário é Assata Shakur. Pertencente ao Exército de Libertação Negra, ela foi perseguida e presa. Seus aliados, inclusive brancos, conseguiram tirá-la da cadeia e mandá-la para Cuba, onde está até hoje. Outra militante negra também perseguida e presa foi Angela Davis, que inclusive foi colocada na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo Federal Bureau of Investigation (FBI). Ambas foram desacreditadas pela imprensa e retratadas como assassinas, violentas, armadas e perigosas. Seus crimes? Ousaram pensar, lutaram por seus direitos e pelos direitos de seus irmãos. Desafiaram, pois, o ‘sistema’, e o ‘sistema’ quando não consegue te destruir fisicamente, destrói a sua imagem. 

No caso de Angela Davis, todo o aparato policial e judicial estava contra ela. Mas ela entrou no tribunal e, jogando na mesma regra deles, conseguiu desacreditá-los e saiu livre, vencedora. No seu depoimento emocionado, feito para o documentário, ela diz que as pessoas sempre falam da violência dos negros, mas ninguém sabe o que os negros passam. Não apenas hoje, mas desde que o primeiro negro chegou á América, vindo sequestrado das praias da África.


(A imagem acima foi copiada do link Images Google.)

domingo, 17 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (VII)

Para quem gosta de um documentário inteligente


Como o documentário mostra, a imagem que estão passando dos negros nos Estados Unidos é de pessoas violentas, criminosos, estupradores, perigosos. Isso ajuda a ‘aceitar’ a ideia de que todos os afrodescendentes são culpados por algum crime e que, portanto, devem ir para a prisão.

A verdade é que, por mais nua e crua que possa parecer a realidade apresentada no documentário. Por mais que nos solidarizemos com a causa negra, nenhum branco jamais saberá o que é ser negro nos Estados Unidos. De ser revistado nas ruas, ter seu carro parado nas estradas, ser visto como suspeito, pelos simples fato de ser negro.

Isso já vem de um longo processo de educação e campanhas difamatórias. As pessoas têm medo dos negros, e os políticos sabem disso. George H. W. Bush (1924 - 2018), por exemplo, ganhou a corrida presidencial e chegou à Casa Branca utilizando-se desse estratagema.

Como o documentário A 13ª Emenda deixa claro, existem mais estupros de homens brancos contra mulheres negras, do que de homens negros contra mulheres brancas. Mas no imaginário popular, quando se fala em estuprador, a imagem associada imediatamente é a de um home ‘de cor’.

Fruto de uma política opressora, segregacionista, perseguidora e baseada no terror, o número de encarceramento no EUA chegou à marca de 1.179.200 detentos em 1990. E pasmem, a maioria, negros.

E os anos noventa também trouxeram uma nova roupagem à política, mas com as mesmas ideias de sempre. Algo contraditório, mas foi o que aconteceu. Na disputa presidencial na qual Bill Clinton sagrou-se vencedor, todos os candidatos apresentaram discursos de endurecimento no que concerne ao enfrentamento da criminalidade. As palavras de ordem nos debates presidenciais eram algo do tipo: mais policiais nas ruas, combater a criminalidade, enrijecer o sistema, tomar medidas drásticas...

O documentário também abordou a política dos 3 strikes (faltas) e está fora. Surgida no contexto da morte violenta de uma garotinha de 12 anos – Polly Klaas – tal dispositivo consistia no seguinte: caso uma pessoa cometesse um terceiro crime violento ficaria preso para sempre.

Uma ideia aparentemente simples, mas que acabou implicando em alguns problemas de ordem prática. Ora, como o sistema penitenciário americano estava com a capacidade máxima quase completa, em Los Angeles (Califórnia), foram soltos cerca de 4.200 detentos (acusados de delitos leves), por mês, para dar espaço aos prisioneiros do 3º strike. E mais...

Em muitas comunidades da Califórnia, os julgamentos de casos civis foram simplesmente cancelados para dar espaço aos julgamentos criminais. Os juízes não estavam dando conta. O poder de julgamento estava saindo das mãos dos juízes e passando para os promotores. E isso é uma coisa boa?   

De acordo com o documentário A 13ª Emenda, não. Um dos entrevistados, o promotor público (negro) Ken Thompson afirma que 95% (noventa e cinco por cento) dos promotores eleitos nos Estados Unidos, são brancos. Isso já é uma clara prova de qual lado a lei estará.

E tem mais. O Congresso Americano recebeu uma proposta de uma lei federal de combate ao crime de US$ 30 bilhões (trinta bilhões de dólares) em 1994. Isso, por si só, representava na época o Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países. Essa lei defendia pesadamente o encarceramento e foi assinada por Clinton.

A ideia, defendida pelo presidente, era aparelhar o Estado com novas tecnologias para combater a criminalidade do século XXI, e deixar a comunidade mais segura. Na prática, representou uma enorme expansão do sistema presidiário. Além de fornecer dinheiro e instrumentos para a polícia continuar fazendo prisões arbitrárias, bem como outras atitudes perversas, que continuamos vendo hoje. 

Segundo o ativista e ex-presidiário Craig DeRoche, o que o presidente Clinton fez em 1994 foi mais prejudicial que seus antecessores, pois construiu as infraestruturas que vemos hoje, bem como a militarização das equipes policiais. Isso ensejou um verdadeiro boom no sistema penitenciário.


(A imagem acima foi copiada do link Jornal do Comércio.)

"É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação".



Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 - 1900): compositor, crítico cultural, filólogo e filósofo nascido no Reino da Prússia, atual Alemanha. 


(A imagem acima foi copiada do link Homo Literatus.)

sábado, 16 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (VI)

Excelente documentário, recomendo.



Com Ronald Reagan (1911 - 2004) na Casa Branca, contudo, a situação não mudou. Enquanto para Nixon a guerra às drogas era retórica, para Reagan ela se tornou real. A guerra moderna às drogas foi declarada por Ronald Reagan em 1982, que se referia a ela como uma cruzada nacional.

Havia uma crise econômica nos Estados Unidos nessa época e, numa tentativa talvez de estabelecer um Estado mínimo, foi feitos ataques frontais a toda estrutura dedicada a ajudar os seres humanos: sistema educacional, previdência, sistema de saúde, empregos, programas governamentais de assistência.

Com o discurso de expandir a capacidade produtiva das empresas norte-americanas, o Governo conseguiu tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. O número de americanos abaixo da linha da pobreza chegou ao ápice em duas décadas.

A administração federal conseguiu incutir na cabeça das pessoas um medo tão grande (do terrorismo, da violência, das drogas), que o Governo conseguiu aprovar leis cujas penalidades para o consumo de drogas eram bem mais rígidas. O tempo de encarceramento também aumentou. O Estado estava focando nas consequências do problema, não na causa.

O resultado: mais pessoas presas, principalmente negros e latinos, cujas sentenças eram bem mais altas. Shaka Senghor, ativista e ex-presidiário desabafa em tom de ironia: “Se você for pego com drogas e for negro, pode passar o resto da vida na cadeia. Se for branco, leva um tapinha na mão”.  

Pat Nolan, também ativista e ex-presidiário diz que de repente, uma foice passou pelas comunidades afro descendentes, cortando homens de suas famílias. Literalmente, muitos cidadãos foram tirados do convívio social e desapareceram nas penitenciárias. A chamada era do encarceramento em massa estava criada, fruto da política de Reagan.  

Basicamente, o que Reagan fez foi pegar o problema da desigualdade econômica, da hipersegregação nas cidades americanas, e do abuso de drogas e criminalizar tudo isso na forma da “guerra às drogas”.

Isso violou completamente o senso de justiça... No documentário A 13ª Emenda os ativistas são quase unânimes em afirmar que a famigerada “guerra às drogas” foi, na verdade, uma guerra às comunidades negras e latinas. Isso quase beirou o genocídio nas comunidades das pessoas ‘de cor’.

Falando novamente em números, o documentário mostra com dados oficiais que em 1985 o número de encarcerados nos EUA subiu para 759.100 presos. Mas, pior que isso, a “guerra às drogas” se tornou parte da cultura popular, como mostrado na TV, em telejornais e seriados. Quando o telespectador ligava o aparelho de televisão para assistir ao noticiário à noite, o que via era um desfile de pessoas negras, algemadas, sendo levadas presas. Para a ativista Malkia Cyril, costuma-se dar mais ênfase no noticiário aos criminosos negros do que aos brancos. Já virou uma espécie de clichê na mídia: personificar as pessoas negras e pardas como animais em jaulas.

Ainda para o ativista Cory Greene, esse papel negativo da mídia causa um medo nas pessoas de tal forma que elas passam a aceitar o ‘descarte’ de outros seres humanos, como uma medida de prevenção e proteção. Ao fazer isso, a mídia está praticando um desserviço à sociedade, criando uma atmosfera de pânico, que em nada ajuda na questão da criminalidade.

Outro ponto crucial que a cultura do medo dos negros vem provocando é que, na própria comunidade dos afro descendentes, há aqueles que simpatizam e aprovam o encarceramento de outros negros. Como esclarece a advogada Deborah Small, muitas comunidade afro americanas apoiaram políticas que criminalizavam suas próprias crianças.

O estereótipo do negro como criminoso chegou a tal ponto que o simples fato de ser detido como suspeito já acarreta numa condenação, pressionada pela opinião pública. No documentário A 13ª Emenda vemos casos de erros judiciais que prejudicaram negros. Em um deles, alguns jovens foram presos por suspeita de estupro – três deles menores de 18 (dezoito) anos. Passaram até 6 (seis) anos presos e depois, um exame de DNA comprovou que eram todos inocentes. Na época Donald Trump (hoje presidente dos EUA) chegou a escrever um artigo, onde pedia com veemência a pena de morte para todos os jovens.



(A imagem acima foi copiada do link Metrópoles.)

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (V)

Para quem gosta de cinema e de História... 


Para Henry Louis Gates Jr., professor de História da Harvard University, uma das grandes conquistas dos ativistas foi a mudança de paradigma no que concerne à desobediência das leis segregacionistas. Ser preso, defendendo a causa dos negros, passou a ser algo nobre; eles estavam dispostos a apanhar pela democracia. Foi uma virada pacífica fenomenal contra o opressor.

Mas nem tudo eram flores. Os afro descendentes continuaram sofrendo perseguições e, nas manifestações públicas pacíficas eram confrontados pela polícia, que os atacava com cães, bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e fortes jatos de água de mangueiras de incêndio. O aparelho opressor do Estado pouco se importava se nessas marchas pacíficas se encontravam crianças, mulheres e idosos. Todos apanhavam.

Infelizmente, à medida que o movimento dos direitos civis foi ganhando força, as taxas de criminalidade começaram a disparar em todo o país. Para Michelle Alexander, educadora e autora (The New Jim Crow) foi muito cômodo para a classe política afirmar que o movimento dos direitos civis contribuía para a escalada da criminalidade. Ela critica esses pseudo representantes da democracia, pois diziam que o preço a se pagar, como nação, pelas liberdades civis dos negros seria o crime.

Ora, a população carcerária dos Estados Unidos se manteve praticamente estável durante a maior parte do século XX. Mas isso mudou nos anos de 1970...

Nessa época, começou uma era para a qual os estudiosos do assunto cunharam a expressão encarceramento em massa. Sob a falácia do discurso da “Law and order” (lei e ordem), propagado pelo então presidente Richard Nixon (1913 - 1994), os cidadãos americanos ‘de cor’ superlotaram o sistema penitenciário. Não é por acaso, como foi dito, que justamente na década de 1970, o índice de encarceramento, que tinha se mantido praticamente estável por mais de cem anos, começou a subir vertiginosamente.

Os números não mentem, e os produtores do documentário A 13ª Emenda fazem questão de mostrar: em 1970, a população carcerária dos EUA era de 357.292 internos. Como esclarece Angela Davis, professora emérita da UC Santa Cruz, durante a era Nixon, no chamado período “Law and order” o crime começou a ocupar o lugar da raça.

Para James Kilgore, autor que já foi severamente encarcerado e que, portanto, entende bem o encarceramento, o discurso de Nixon de guerra ao crime é falacioso. Para o autor, o discurso disfarçava um modus operandi, a ser perpetrado não contra os criminosos em si, mas contra determinados grupos previamente selecionados. Esses grupos eram de movimentos políticos negros da época, dentre eles: Black Power, Panteras Negras, o movimento antiguerra, movimentos pacifistas, movimentos de liberação feminina e gay. 

Outro momento que representou uma grande etapa do encarceramento em massa foi a política de “guerra contra as drogas”, também do governo Nixon. A ênfase da administração federal em combater a dependência química e o vício em drogas ilícitas, não como um problema de saúde pública, mas como uma questão de segurança pública, deu ensejo a outro grande ciclo de encarceramento em massa. Milhares de pessoas, a maioria negros ou de baixa renda, foram parar atrás das grades, por simples posse de maconha (mesmo que em pequena quantidade) ou delitos leves.

Segundo Khalil G. Muhammad, professor de História, Raça e Políticas Públicas, da Harvard University, o Governo conseguiu incutir na cabeça das pessoas a associarem o caos nos centros urbanos aos movimentos pelos direitos civis. Isso, por si só, representou um retrocesso histórico nos movimentos de direitos civis.

E não para por aí. Um alto membro do governo Nixon chegou a admitir que o foco da chamada “guerra às drogas” era prender negros. Como estratégia de campanha eleitoral, eles venderam para os eleitores a ideia de associarem os hippies à maconha e os negros à heroína. Assim, o Estado, através do seu aparato opressor (a polícia), poderia intervir nessas comunidades sem sofrerem censura por parte da opinião pública. 

O primeiro resultado prático disso veio com os números, e como sabemos, os números não mentem. A população carcerária em 1980 era de 513.900 encarcerados.


(A imagem acima foi copiada do link Images Google.)

sexta-feira, 15 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (IV)

Para quem gosta de cinema e imparcialidade



O documentário A 13ª Emenda também mostra, e isso é uma alfinetada na classe política, que o preconceito e o racismo estão entranhados nos próprios representantes da sociedade: os políticos. Na Convenção Nacional Democrata de Nova York, de 1924, por exemplo, estima-se que pelo menos 350 (trezentos e cinquenta) delegados eram membros da famigerada Ku Klux Klan.

Utilizando-se da opinião de especialistas, embasados em evidências históricas, o documentário demonstra que a geografia demográfica dos EUA, concernente à migração dos negros para outras regiões do país, foi moldada nesta época.

Ora, os afro-americanos se espalharam por toda a nação: Boston, Chicago, Cleveland, Detroit, Los Angeles, Oakland, Nova York. O que as pessoas não perceberam é que, esse movimento migratório interno foi motivado, não por oportunidades econômicas, mas por perseguições racistas.

Contudo, tal fuga não serviu para aplacar a sanha dos racistas. Milhares de ataques a populações afro-americanas foram perpetradas, em todo o país. Os motivos – quando existiam – eram os mais fúteis e banais. Um garoto ‘de cor’, por exemplo, foi morto pelo simples fato de ter “prestado atenção demais na esposa de um homem branco”.

Como estes atos de terrorismo estavam se tornando cada vez mais corriqueiros, e como forma de não macular a imagem dos EUA, como nação democrática, tentaram legalizar as perseguições. Foram criadas leis que relegaram os afro-americanos ao status permanente de segunda classe. Como resultado, por exemplo, os negros foram impedidos de frequentar determinados lugares, e foi-lhes negado o direito de votar.

Para Jelani Cobb, professor de estudos afro-americanos, da University of Connecticut, o medo do crime está no centro da questão racial.

Para Bryan Stevenson, advogado e autor, se deparar com uma placa escrita “para negros” e outra “para brancos”, não poder usar a porta da frente, ou todo o tempo que não se podia votar, ou frequentar a escola, era um fardo tremendamente pesado, danoso e injusto que o afrodescendente teve de suportar. Nem mesmo um simples banho de praia os negros tinham direito.

Ativistas de direitos civis viram, então, a necessidade de criar não só um movimento de direitos civis, mas de direitos humanos. A mudança de estratégia atraiu mais seguidores, contudo, esses ativistas – incluindo o lendário Martin Luther King Jr. – foram retratados pela mídia, e até entre muitos políticos, como criminosos. Explica-se: os ativistas negros estavam desrespeitando as leis de segregação, leis estas que os oprimiam. Por isso, era vistos como criminosos, sendo, inclusive, presos e “fichados”. 

Para os brancos, a justiça era célere e infalível; para os negros, tardia ou inexistente. 


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“O dinheiro é só uma consequência. Eu sempre digo à minha equipe: ‘Não se preocupem com a rentabilidade. Se você fizer seu trabalho direito, o lucro virá’”.


Bernard Arnault (1949 -): empresário francês, atual diretor executivo e presidente da LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy), a maior empresa de artigos de luxo do mundo. Em 2019 a revista Forbes o classificou Arnault como a quarta pessoa mais rica do mundo, dono de uma fortuna pessoal de US$ 76 bilhões (setenta e seis bilhões de dólares). 


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quinta-feira, 14 de março de 2019

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (III)

Para cidadãos e cinéfilos de plantão



O documentário mostra também recortes de jornal, gravuras e charges da época com cenas de negros atacando ‘cidadãos’ brancos e violentando mulheres brancas. Toda essa propaganda racista, contendo um explícito discurso de ódio direcionado para um grupo específico, redundou na crença, até hoje arraigada na cultura norte-americana, de que pessoas ‘de cor’ são, por natureza violentas e mais propensas à criminalidade.

Figuras negras afáveis da literatura americana, como o Tio Remus, personagem fictício criado por Joel Chandler Harris, cujas histórias eram muito parecidas com as Fábulas de Esopo e Jean de La Fontaine, foram substituídas pela imagem de negros ambiciosos, maldosos e ameaçadores. Uma personagem sórdida, que precisava ser banida do seio da sociedade americana, a qualquer custo. E foi o que aconteceu.

O longa metragem faz menção ao filme O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation), de 1915, que enaltece a escravatura e justifica a segregação racial. N’ O Nascimento de Uma Nação é mostrada a fundação da organização racista Ku Klux Klan, e os afro-americanos são retratados como uma raça inferior, sexualmente agressivos em relação às mulheres brancas e propensos à criminalidade.

O Nascimento de Uma Nação foi aclamado pelo público da época (elite, políticos, classe artística), pois retratava uma realidade que muitos queriam dizer, mas não tinham coragem de contar. O próprio presidente americano da época, Woodrow Wilson (1856 - 1924), teria assistido o filme numa exibição privada na Casa Branca (sede do governo). Todavia, toda imagem ou menção aos negros feitas no filme é de teor depreciativo.

Eles são retratados como bichos, figuras animalescas e canibalescas. Alguns dos atores que interpretaram afro-americanos sequer eram negros, mas atores brancos, com os rostos pintados de preto. Isso passava uma imagem ainda mais pitoresca. Numa das cenas de O Nascimento de Uma Nação uma mulher branca se joga de um penhasco para não ser violentada por um criminoso negro. No filme os negros são vistos como uma ameaça, um perigo para as mulheres brancas. O impacto que isso causa no inconsciente coletivo é devastador. A partir dessa exibição são criados mitos depreciativos contra os negros, dentre eles, o de que homens ‘de cor’ são estupradores.  

Ora, a elite política branca e os estabelecimentos comerciais precisavam de negros trabalhando. Tais grupos em muito se beneficiaram com esses pseudo mitos, uma vez que eram quem mais demandavam mão de obra presidiária.

O documentário A 13ª Emenda acerta mais uma vez ao mencionar o filme O Nascimento de Uma Nação. Como exposto no documentário, o filme foi um prelúdio no que se tornaria a questão racial nos Estados Unidos moderno. Pode-se inferir que O Nascimento de Uma Nação foi o responsável pela criação do grupo racista de extrema direita Ku Klux Klan, pois a retratou como uma organização heroica, romântica, entusiasta e esplendorosa. Em nada se comparando com a sua atuação, cuja brutalidade é vista nos assassinatos, estupros e linchamentos públicos contra os afro descendentes. Tivemos um macabro caso de vida imitando a arte...


Seguida à criação da Ku Klux Klan, tivemos uma onda de terrorismo contra os negros por todo os Estados Unidos. Até a Segunda Grande Guerra Mundial milhares de afro-americanos foram perseguidos, torturados e mortos por quadrilhas, sob o pretexto que tinham cometido algum tipo de crime. Isso mesmo, os negros eram sumariamente executados, sem direito a qualquer mecanismo de defesa.


(A imagem acima foi copiada do link O Trabalho PT.)