Breve resumo do livro A Consciência Conservadora no Brasil, de Paulo Mercadante (MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. 2. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 1972.). Excelente para alunos universitários e para aqueles que querem aumentar seus conhecimentos sobre a história e a cultura brasileiras.
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Colonizadores portugueses: há quem defenda que herdamos deles uma mentalidade conservadora. |
Fomos
colonizados por europeus e nossas raízes culturais apresentam traços marcantes
dessa influência. Uma das características desse processo civilizatório é a
consciência conservadora que nossa sociedade desenvolveu ao longo dos séculos,
mas que muitas vezes é camuflada pelo mito do “brasileiro cordial”.
Ora,
a tentativa de disfarçar nosso espírito conservador é descrito pelo autor como
uma saída que as elites encontraram para conciliar os vários interesses
envolvidos no processo de formação do Brasil – sabido por todos – um país de
dimensões continentais.
Na
obra A Consciência Conservadora no Brasil,
Paulo Mercadante nos leva a um passeio pela nossa história – começando antes
mesmo do descobrimento, analisando a cultura europeia – e explica com riqueza
de detalhes e argumentos porque a sociedade brasileira apresenta-se da forma
como está hoje: com elevada disparidade social e com um exacerbado sentimento
conservador, disfarçado por um discurso conciliatório.
Embora
a segunda edição do livro tenha sido lançada há mais de quatro décadas, quando
nosso país passava por um regime de exceção, as palavras de Mercadante parecem
atuais, como se fizessem uma profecia do tumultuado momento político que
estamos vivendo:
[...]
O Brasil vive um período de sincretismo avassalador. Queima as potencialidades
etnográficas, em busca de um destino, de um valor que nunca poderá ser estranho
ao sentido de sua sociedade, de suas tradições de liberdade, de seu passado.
[...] Aliado ao ressentimento da classe média, a radicalização poderia alcançar
um programa totalitário. Se aceitássemos a possibilidade, estaríamos admitindo
o predomínio de uma ideologia sobre peculiaridades nacionais, o que não parece
possível em face da realidade de nossos dias. Por outro lado, apoiado na classe
média, nunca seria capaz o grupo vitorioso de definir-se a favor de um
totalitarismo sem um sentimento de desespero (MERCADANTE, 1972, p. 8).
Como
dito anteriormente, fomos colonizados por europeus. Nossos “descobridores”, os
portugueses, possuíam uma ideologia senhorial, a qual imprimiu fortemente seus
traços na colonização do Brasil. O modelo de colônia implantado por aqui foi o
de exploração, primeiro com o pau-brasil, depois com a cana-de-açúcar, concomitantemente,
com as minas de ouro e diamante.
Apesar
de serem atividades econômicas distintas – tanto geograficamente, quanto cronologicamente
– esses sistemas possuíam algumas características em comum: patriarcal,
escravagista, estamental (não permitia a mobilidade social). Isso acabou se
refletindo negativamente ao longo da formação da nossa identidade como nação.
Crescemos
sob o comando de grupos que não tinham interesse algum no desenvolvimento do país,
seja sob o ponto de vista econômico, seja sob o ponto de vista cultural. Para
eles, o mais importante era a situação permanecer como estava.
Para
complicar mais ainda nosso quadro social, havia a atuação da Igreja, que era
uma força poderosa na época, dominando a instrução e todas as manifestações
culturais da colônia. E quem se opunha ia para a fogueira.
Diferentemente
ao que aconteceu no Brasil, as colônias da América do Norte, que vieram a se
tornar os Estados Unidos de hoje, passaram por uma colonização de povoamento.
Lá, era livre a circulação tanto de mercadorias, quanto de ideias. Como
consequencia, houve um desenvolvimento econômico, tecnológico e social mais
acentuado que o nosso.
Muitos
achavam que a tradição conservadora na colônia terminaria se o Brasil rompesse
de vez com Portugal e proclamasse sua independência. Ledo engano. Com a
“independência” do jugo português e a conseqüente instauração da monarquia, o
quadro social não mudou.
Com
o medo de que nosso território se dividisse em vários países, as diversas
elites regionais fizeram uma espécie de conciliação e centralizaram todo o
poder na figura do Imperador. Nessa parte do livro, Paulo Mercadante deixa
transparecer que esse discurso conciliatório, visto como uma qualidade genuinamente
brasileira, pode esconder uma semente de conservadorismo:
De
forma sobremodo conciliatória fora o movimento entre os ultramarinos. Transigia
o elemento mais avançado, radical e republicano, com o elemento reacionário, em
geral alimentado de pré-juízos contra o espírito democrático. Do conflito, que
vinha de longe, emanaria o meio-termo, encarnado numa força de centro,
moderadora quase sempre, porém atuante. Constituíra-se principalmente de
antigos radicais, revolucionários de lojas maçônicas, os quais se deixaram
influenciar pela ideologia da restauração, e pela tendência de centro, moderada
e oportunista (MERCADANTE, 1972, p. 51).
O
autor, contudo, não chega a apontar em sua obra uma saída para uma eventual
quebra de paradigma no que concerne à tradição de conservadorismo no nosso
país. Uma saída, quem sabe, seria a chegada ao poder de um grupo com ideias
progressistas, liberais, e que não fizesse parte das elites que dominam o
Brasil desde a época da colonização.
Pode
parecer utopia, mas isso chegou a acontecer na nossa história recente. Um
membro da classe operária conseguiu ocupar o cargo mais alto do país e começou
a colocar em prática uma série de programas que estavam ocasionando mudanças
radicais na nossa estrutura social.
Entretanto, enquanto
seu projeto ainda engatinhava, os mesmos grupos que há cinco séculos controlam
o país uniram-se para retomar o poder e manter a situação como sempre foi:
patriarcal, estamental e conservadora.