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sábado, 21 de janeiro de 2023

OAB - XXXV EXAME DE ORDEM UNIFICADO (LXXV)

A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade... Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim de não existirem mais leis para eles...  

Hannah Arendt  

A filósofa Hannah Arendt, em seu livro As Origens do Totalitarismo, aborda a trágica realidade daqueles que, com os eventos da II Guerra Mundial, perderam não apenas seu lar, mas a proteção do governo. Com isso, ficaram destituídos de seus direitos e, também, sem a quem pudessem recorrer.  

Diante disso, Hannah Arendt afirma que, antes de todos os direitos fundamentais, há um primeiro direito a ser garantido pela própria humanidade.  

Assinale a opção que o apresenta.   

A) O direito à liberdade de consciência e credo.    

B) O direito a ter direitos, isto é, de pertencer à humanidade.    

C) O direito de resistência contra governos tiranos.    

D) O direito à igualdade e de não ser oprimido.


Gabarito: letra B. De fato, antes de qualquer direito, o indivíduo deve ter "o direito a ter direitos", ou seja, de pertencer à humanidade. 

No livro As Origens do Totalitarismo (p. 256 - 257), Hannah Arendt aponta que os próprios nazistas começaram a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração.

Antes mesmo de mandarem milhões de judeus para as terríveis câmaras de gás, os nazistas haviam apalpado cuidadosamente o terreno e verificado, para sua satisfação, que nenhum país reclamava aquela gente. 

Com isso, se criou uma condição de completa privação de direitos antes mesmo que o direito à vida fosse ameaçado. 

Hannah Arendt continua ressaltando que o mesmo se aplica, com certa ironia, em relação ao direito de liberdade, que é, às vezes, tido como a própria essência dos direitos humanos. Ora, não há dúvida de que os que estão fora do âmbito da lei podem até ter mais liberdade de movimento do que um criminoso legalmente encarcerado, ou de que gozam de mais liberdade de opinião nos campos de internação dos países democráticos do que gozariam sob qualquer regime despótico comum, para não falar de países totalitários. 

Todavia, aponta a autora, nem a sua segurança física — como o fato de serem alimentados por alguma instituição beneficente estatal ou privada — nem a liberdade de opinião alteram a sua situação de privação de direitos. O prolongamento de suas vidas é devido à caridade e não ao direito, pois não existe lei que possa forçar as nações a alimentá-los; a sua liberdade de movimentos, se a têm, não lhes dá nenhum direito de residência, do qual até o criminoso encarcerado desfruta naturalmente; e a sua liberdade de opinião é uma liberdade fútil, pois nada do que pensam tem qualquer importância. 

"A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de tudo, na privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação eficaz. Algo mais fundamental do que a liberdade e a justiça, que são os direitos do cidadão, está em jogo quando deixa de ser natural que um homem pertença à comunidade em que nasceu, e quando o não pertencer a ela não é um ato da sua livre escolha, ou quando está numa situação em que, a não ser que cometa um crime, receberá um tratamento independente do que ele faça ou deixe de fazer. Esse extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados dos seus direitos humanos. São privados não do seu direito à liberdade, mas do direito à ação; não do direito de pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem. Privilégios (em alguns casos), injustiças (na maioria das vezes), bênçãos ou ruínas lhes serão dados ao sabor do acaso e sem qualquer relação com o que fazem, fizeram ou venham a fazer. 

Só conseguimos perceber a existência de um direito de ter direitos (e isto significa viver numa estrutura onde se é julgado pelas ações e opiniões) e de um direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando surgiram milhões de pessoas que haviam perdido esses direitos e não podiam recuperá-los devido à nova situação política global".

Questão excelente.

Fonte: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. Companhia de Bolso. 504 p. 1 PDF

(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.) 

OAB - XXXV EXAME DE ORDEM UNIFICADO (LXXIV)

É possível que, diante de um caso concreto, seja aceitável a aplicação tanto de uma lei geral quanto de uma lei especial. Isso, segundo Norberto Bobbio, em seu livro Teoria do Ordenamento Jurídico, caracteriza uma situação de antinomia.  

Assinale a opção que, segundo o autor na obra em referência, apresenta a solução que deve ser adotada. 

A) Deve ser feita uma ponderação de princípios entre a lei geral e a lei especial, de forma que a lei que se revelar menos razoável seja revogada.    

B) Deve prevalecer a lei especial sobre a lei geral, de forma que a lei geral seja derrogada, isto é, caia parcialmente.    

C) Deve ser verificada a data de edição de ambas as leis, pois, nesse tipo de conflito entre lei geral e lei especial, deve prevalecer aquela que for posterior.

D) Deve prevalecer a lei geral sobre a lei especial, pois essa prevalência da lei geral é um momento ineliminável de desenvolvimento de um ordenamento jurídico.

Bobbio, jusfilósofo italiano, autor de Teoria do Ordenamento Jurídico.


Gabarito: opção B. De acordo com o livro Teoria do Ordenamento Jurídico, do grande jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio (1909 - 2004), as regras fundamentais para a solução das antinomias são três (BOBBIO, 1995, p. 92; 95 - 97):

a) o critério cronológico;

b) o critério hierárquico; e,

c) o critério da especialidade.

O terceiro critério, dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali

Ora, a situação antinômica, criada pelo relacionamento entre uma lei geral e uma lei especial, é aquela que corresponde ao tipo de antinomia total-parcial.

Isso significa dizer que, quando aplicamos o critério da lex specialis não acontece a eliminação total de uma das duas normas incompatíveis, mas somente daquela parte da lei geral que é incompatível com a lei especial.

Assim, por efeito da lei especial, a lei geral cai parcialmente.      

Fonte: BOBBIO, Norberto: Teoria do ordenamento jurídico. Apresentação Tércio Sampaio Ferraz Júnior; trad. Maria Celeste C. J. Santos; rev. téc. Claudio De Cicco. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 6ª ed., 1995. 184 p.

(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)