sexta-feira, 24 de julho de 2020

MUSA IMPASSÍVEL

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Job, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmoniosa creba,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Francisca Júlia da Silva – Wikipédia, a enciclopédia livre

Francisca Júlia (1871 - 1920): poetisa brasileira que fez parte da escola/gênero literário do Parnasianismo

anguiforme: que possui a forma de serpente;
calhau: fragmento de rocha dura, pedra solta, seixo;
creba: repetida;
Dante: poeta italiano renascentista, autor da Divina Comédia;
descante: canto;
hemistíquio: a metade de um verso alexandrino (de doze sílabas métricas), e, por extensão, de qualquer verso;
Homero: poeta grego a quem são atribuídas as epopeias Ilíada e Odisseia;
idílico: amoroso;
Job: personagem bíblico que significa aquele que sofre, aquele para quem a vida é sofrimento e uma provação;
marcial: relativo à guerra;
sobrecenho: semblante severo.

(A imagem acima foi copiada do link Google Images.)

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