Mais dicas da Resolução nº 454/2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual estabelece diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas. Hoje, falaremos do diálogo interétnico e intercultural, da territorialidade indígena, da vedação da aplicação do regime tutelar, do respeito aos povos em isolamento voluntário e começaremos o tópico referente às especificidades do acesso à Justiça dos povos indígenas.
Do diálogo interétnico e intercultural
Art. 5º Diálogo interétnico e intercultural consiste em instrumentos de aproximação entre a atuação dos órgãos que integram o Sistema de Justiça, especialmente os órgãos do Poder Judiciário, com as diferentes culturas e as variadas formas de compreensão da justiça e dos direitos, inclusive mediante a adoção de rotinas e procedimentos diferenciados para atender as especificidades socioculturais desses povos.
Da territorialidade indígena
Art. 6º A territorialidade indígena decorre da relação singular desses povos com os espaços necessários à sua reprodução física e cultural; aspectos sociais e econômicos; e valores simbólicos e espirituais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, nos termos do art. 231 da Constituição Federal, do art. 13 da Convenção nº 169/OIT e do art. 25 da Lei nº 6.001/1973.
Da vedação da aplicação do regime tutelar
Art. 7º A vedação da aplicação do regime tutelar corresponde ao conjunto de ações destinadas à participação e ao reconhecimento da capacidade processual indígena e ao dimensionamento adequado das atribuições dos órgãos e entes responsáveis por políticas indigenistas, os quais não substituem a legitimidade direta dos indígenas, suas comunidades e organizações para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.
Parágrafo único. A atuação da Funai ou do Ministério Público Federal em causas sobre direitos indígenas não supre a necessidade de manifestação do povo interessado.
Do respeito aos povos em isolamento voluntário
Art. 8º O Poder Judiciário deve garantir a não aproximação por terceiros aos povos isolados, uma vez que a eventual iniciativa de contato deve partir exclusivamente desses povos, em atenção ao princípio da autodeterminação e ao direito aos usos, costumes e tradições, resguardados pela Constituição Federal.
§ 1º Os povos indígenas isolados e de recente contato estão sujeitos a vulnerabilidades específicas, de ordem epidemiológica, territorial, demográfica, sociocultural e política, que aumentam sobremaneira o risco de morte, devendo tal condição ser considerada no âmbito do processo judicial.
§ 2º A política judiciária destinada a esses povos deve atender as diretrizes e estratégias específicas e respeitar os princípios da precaução e da prevenção, de forma a preservar o contato preconizado no caput deste artigo.
Art. 9º Havendo indícios de que um processo judicial pode afetar povos ou terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a Funai deverá ser instada a informar se o caso atinge, ainda que de forma potencial, os direitos de povos isolados ou de recente contato, assim como se existe restrição de uso vigente no referido território.
Parágrafo único. O questionamento mencionado no caput deste artigo poderá ser igualmente feito a organizações indígenas de âmbito local, regional ou nacional.
DAS ESPECIFICIDADES DO ACESSO À JUSTIÇA DOS POVOS INDÍGENAS
Art. 10. Para os fins desta Resolução, o ingresso em juízo de povos indígenas, suas comunidades e organizações em defesa de seus direitos e interesses independe de prévia constituição formal como pessoa jurídica.
Parágrafo único. Os povos indígenas, suas comunidades e organizações possuem autonomia para constituir advogado ou assumir a condição de assistido da Defensoria Pública nos processos de seu interesse, conforme sua cultura e organização social.
Art. 11. São extensivos aos interesses dos povos, comunidades e organizações indígenas as prerrogativas da Fazenda Pública, quanto à impenhorabilidade de bens, rendas e serviços, ações especiais, prazos processuais, juros e custas, a teor do art. 40 c/c o art. 61 da Lei no 6.001/1973.
Art. 12. Dar-se-á preferência à forma pessoal para as citações de indígenas, suas comunidades ou organizações.
§ 1º A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos processos que envolvam interesses dos indígenas não retira a necessidade de intimação do povo interessado para viabilizar sua direta participação, ressalvados os povos isolados e de recente contato.
§ 2º A comunicação será realizada por meio de diálogo interétnico e intercultural, de forma a assegurar a efetiva compreensão, pelo povo ou comunidade, do conteúdo e consequências da comunicação processual e, na medida do possível, observar-se-ão os protocolos de consulta estabelecidos com o povo ou comunidade a ser citado, que sejam de conhecimento do juízo ou estejam disponíveis para consulta na rede mundial de computadores.
§ 3º O CNJ e os tribunais desenvolverão manuais e treinamento dirigido aos magistrados e servidores, em especial aos oficiais de justiça, acerca da comunicação de atos processuais a comunidades e organizações indígenas, contemplando, inclusive, abordagens de Justiça Restaurativa.
§ 4º Não será praticado ato de comunicação processual de indígena ou comunidade indígena, salvo para evitar o perecimento de direito, durante cultos religiosos, cerimônias ou rituais próprios de cada grupo.
§ 5º Será possível o ingresso, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, de indígenas, suas comunidades ou organizações em processos em que esteja presente interesse indígena.
§ 6º Aplica-se, no que couber, à intimação, o disposto neste artigo.
(A imagem acima foi copiada do link IG.)