sexta-feira, 28 de junho de 2019

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO (II)

Resumo do vídeo "Competência por prerrogativa de função" (duração total: 1h31min04seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.

Resultado de imagem para tribunal

Dando prosseguimento, o professor Walter Nunes ingressa propriamente na temática pertinente à competência por prerrogativa de função. Ele começa apontando que há uma forte crítica da doutrina e também de conteúdo político, quanto a essa tradição do nosso sistema jurídico de estabelecer os chamados crimes por prerrogativa de função. 

Isso decorre da nossa tradição constitucional que, de acordo com a função de determinadas pessoas a competência para processar e julgar, ao invés de ser do órgão de primeiro grau, que é a regra, será de competência original de um tribunal. Conforme seja o cargo ou a função exercida, pode ser o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Regional Federal (TRF), Tribunal de Justiça (TJ), ou mesmo Tribunal Superior Eleitoral ou Tribunal Regional Eleitoral.  

A crítica que se faz a esse critério é embasada, basicamente, na violação de dois princípios. O primeiro seria o princípio da igualdade, no sentido de que há um patente tratamento desigual, porque o do povo é julgado pelo juízo de primeiro grau, enquanto que determinadas pessoas teriam, numa expressão pejorativa, privilégio de serem julgados diretamente por tribunais. 

Ora, na tradição jurídica brasileira, os tribunais seriam mais maleáveis nesses julgamentos, ademais de possuírem uma dificuldade de tratar de forma originária desses casos porque não possuem vocação para a instrução do processo.

A outra crítica, apontada pelo palestrante, é que a competência por prerrogativa de função viola o duplo grau de jurisdição. No nosso sistema, em toda decisão de primeiro grau, cabe recurso de apelação. O recurso de apelação é um recurso de fundamentação livre, não é vinculada, em que a parte (sucumbente) pode rediscutir toda a matéria debatida em primeiro grau, tanto matéria de direito, como matéria fática. 

Quando a competência originária é de um tribunal, em rigor não há duplo grau de jurisdição, ou melhor, não há possibilidade de recurso a não ser que seja o recurso especial ou recurso extraordinário. Tais espécies de recursos são de fundamentação restrita, utilizados só nas hipóteses previstas na Constituição Federal, ademais de não ser possível interpor nenhuma dessas duas espécies de recursos para se fazer uma discussão aprofundada da matéria fática. 

Essas discussões são válidas, nada obstante defender-se a prerrogativa de função por uma questão de dar um tratamento mais concentrado em relação às pessoas inseridas nessa prerrogativa. Isso enseja, por exemplo, em não se deixar o Presidente da República à mercê de responder processos perante juízos de primeiro grau, o que poderia certamente comprometer o exercício das funções presidenciais. Daí porque, em caso de Presidente da República, a competência originária é a atribuída ao STF. 

Contra esse argumento se estabelece que poderia se definir um foro, que nesse caso seria o foro do domicílio do Presidente. Deixando, de toda maneira, ser julgado no primeiro grau.

Quanto a essa argumentação se contrapõe outra ordem de ideias, no sentido de que, tratando-se de pessoas exercentes de altas funções, é importante que esses julgamentos sejam feitos com uma margem de certeza ou de discussão maior, o que ocorre quando a matéria é apreciada por um colegiado. Daí porque não seria de bom tom deixar que um único juiz pudesse apreciar e definir a eventual culpabilidade, ou não, de um alto mandatário da República.

Uma outra objeção que se faz é no sentido de que essa prerrogativa de função, se essencial pela conjuntura política, social, histórica e jurídica brasileira, ela deveria ser prevista apenas nas hipóteses em que o crime fosse praticado em razão do exercício da função. Isso se explica porque, tal como está na Constituição, ainda que o crime tenha sido praticado por outros motivos, por exemplo, motivo meramente pessoal como uma briga de casal, ainda assim o crime vai ser julgado com prerrogativa de função.  

Há proposta de modificação da Constituição nesse aspecto, no sentido de restringir essa prerrogativa de função unicamente para abarcar as hipóteses em que o crime for cometido, verdadeiramente, em razão ou a pretexto do exercício propriamente do cargo. A opinião do professor Walter Nunes é no sentido de que isso seria mais razoável, resolvendo muitos problemas.  


(A imagem acima foi copiada do link TJSP.)

quinta-feira, 27 de junho de 2019

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO (I)

Resumo do vídeo "Competência por prerrogativa de função" (duração total: 1h31min04seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.

Competência por prerrogativa de função: outra excelente aula do autor, professor doutor e juiz federal Walter Nunes da Silva Junior.

Nesta outra videoaula o professor doutor e também juiz federal Walter Nunes da Silva Junior aborda o tema da competência no âmbito penal, no que concerne à prerrogativa de função. (Importante frisar antecipadamente que, a expressão 'foro privilegiado' é uma atecnia, devendo ser evitado pelos alunos da Academia). Antes, porém, o ilustre mestre tece algumas considerações bastante pertinentes sobre o assunto. 

Começa falando que jurisdição é o que chamamos de dever-poder de o Estado juiz resolver os conflitos surgidos no grupo social, ressaltando e dando destaque que se trata mais de um dever, do que propriamente um poder do Estado. Isso naquela visão da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais quanto ao dever de proteção do Estado aos bens jurídicos mais importantes, os quais estão identificados dentro da classe dos direitos fundamentais. 

Por outro lado, a competência é exatamente a medida de jurisdição atribuída a cada órgão jurisdicional. O Brasil tem uma estrutura/arquitetura do Poder Judiciário extremamente complexa, o que acarreta uma engenharia bastante complexa, no sentido de definir a porção de jurisdição de cada um desses órgãos. A competência, portanto, é um instituto que ganha extrema relevância a partir da forma como é organizado o Judiciário de um determinado país. 

No caso específico do Brasil, nós, além de termos uma Justiça Comum e uma Justiça Especializada, dentro da justiça comum temos ainda a divisão entre Justiça Estadual e Justiça Federal. Daí a importância de fazermos todas essas considerações antes de partirmos para o estudo mais aprofundado do tema. 

Por outro lado, além de termos toda essa complexidade, decorrente da existência desses segmentos do Poder Judiciário, ainda há uma significativa quantidade de casos nos quais a competência ela é definida pela chamada prerrogativa de função. Daí que, no sistema jurídico pátrio, a primeira consideração a fazer quando se tem o exame de um caso concreto, é observar se em relação à pessoa a ser julgada existe, ou não, alguma regra de prerrogativa de função. Só depois de analisada essa situação é que haverá de ser observado se a competência é da Justiça Comum ou da Justiça Especial. 

Sendo da Justiça Comum, deve-se observar se é competência da Justiça Federal; se não o for, por exclusão ou competência residual, a questão será da alçada da Justiça Estadual.

Ademais disso, o nobre professor faz uma pequena rememoração dos assim chamados critérios de distribuição de competência. De acordo com a doutrina, existem dois critérios básicos para a distribuição de competência. O primeiro é o interesse público pela perfeita atuação da atividade jurisdicional, e todas as vezes em que a distribuição for feita por base nesse critério, a competência será considerada competência absoluta. O segundo critério é quando a competência é firmada de acordo com o interesse das partes. Neste caso, temos a competência relativa.

É interessante, ainda, relembrar que diversas normas ditam regras de competência. A primeira dessas normas, naturalmente, é a Constituição Federal, que define todos os casos de competência por prerrogativa de função, como, igualmente, o que chamamos de competência de jurisdição (ou seja, se a competência é da Justiça Federal, ou não, ou se ela é da competência da Justiça Especializada, no caso, Justiça Eleitoral ou Justiça Militar, uma vez que a Justiça do Trabalho não tem competência de ordem criminal). A própria Constituição também estabelece que a competência da Justiça Estadual é residual. 

Posteriormente temos a lei ordinária federal, que no caso é o Código de Processo Penal (CPP), nada obstante também termos leis extravagantes que trazem regras de competência específicas. Também temos as Constituições Estaduais, porque a Constituição Federal estabelece que cabe à Constituição Estadual inserir a competência por prerrogativa de função dos Tribunais de Justiça (TJ), seguida, porém, a principiologia adotada na CF. Temos, ainda, as Leis de Organização Judiciária (LOJ), que são leis ordinárias estaduais ou mesmo federal. Existem também as próprias resoluções dos Tribunais de Justiça, na medida em que especializam determinadas varas na competência para certos crimes. 



(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (VIII)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.



Outra previsão expressa é quanto aos crimes contra o sistema financeiro. O constituinte inova a dizer que cada lei ordinária deve dizer quais são os crimes contra o sistema financeiro nacional que são de competência da Justiça Federal. Via de regra, crime contra o sistema financeiro, a depender do tipo, eles sempre vão ser da competência da Justiça Federal, pela competência geral (inciso IV, art 109, da CF), visto que são contra serviço ou interesse, ou mesmo patrimônio de entidade federal. 

Nada obstante isso, a Lei nº 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, atribui em seu art. 26 a competência à Justiça Federal para o julgamento de todos os crimes trazidos pela referida lei. Ora, se pegarmos os tipos penais previstos na Lei nº 7.492/1986, observaremos que, de toda sorte, eles entrariam na regra geral do inciso IV, art 109, da CF, pois tais crimes estão sob fiscalização intensa do Banco Central.

O professor lembra uma outra lei que trata de crime financeiro, qual seja, a Lei nº 4.595/1964, em que há tipo penal que não necessariamente caracteriza uma ofensa a bem ou serviço de entidade federal. De modo que, há decisões do Superior Tribunal de Justiça que o crime do art. 34, I, desta lei, não seria da competência da Justiça Federal, há não ser que haja demonstração de um prejuízo, específico e direto, a uma das entidades autárquicas. O referido inciso foi revogado pela Lei nº 13.506/2017, algo que, por ser relativamente recente, não consta na videoaula transmitida pelo nobre professor. 

Dando prosseguimento a suas explicações, o docente Walter Nunes chega no tópico Crimes contra a ordem econômico-financeira. Neste assunto, a Constituição Federal também estabeleceu que caberia à lei ordinária apontar quais seriam os crimes contra a ordem econômico-financeira que seriam da competência da Justiça Federal. 

Foram editadas duas leis no que tange aos crimes contra a ordem econômico-financeira: a Lei nº 8.137/1990, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (além de dar outra providências); e a Lei nº 8.176/1991, a qual define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis. Contudo, nenhuma dessas duas leis cuidou de dizer quais são os crimes que são da competência da Justiça Federal. De toda sorte, é possível identificar, principalmente em se tratando dos crimes contra a ordem tributária, aqueles que são da competência da Justiça Federal ou não. Por óbvio, por exemplo, se o tributo é federal, o crime tributária será da competência da Justiça Federal; se o tributo é estadual ou municipal, essa competência é da Justiça Estadual. 


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

"A competitividade de um país não começa nas indústrias ou nos laboratórios de engenharia. Ela começa na sala de aula".



Lido Anthony Iacocca, mais conhecido como Lee Iacocca (1924 -): autor, executivo e palestrante norte-americano. É conhecido por ser o 'pai' do modelo de carro Mustang e 'recuperador' de empresas falidas.  


(A imagem acima foi copiada do link AutoBlog.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (VII)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.



Ainda quanto aos crimes da competência específica da Justiça Federal, também o são aqueles do inciso V, art. 109, da CF: "os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente". Aqui, o constituinte exige que haja conexão internacional. Não basta que o crime praticado seja previsto em um tratado ou convenção. Exemplificando: o crime de tráfico de entorpecentes, o Brasil tem tratado de combate a esta modalidade criminosa. Porém, se o tráfico é interno, envolvendo pessoas situadas unicamente em território nacional, a competência recairá sobre a Justiça Estadual. 

Na eventualidade de haver conexão internacional, ou seja, relação com pessoas que se encontrem em outro(s) país(es), aí, sim, a competência se insere no ambiente da Justiça Federal. Não é hipótese de delegabilidade da Justiça Estadual para a Justiça Federal, como ocorria na antiga lei de tóxicos. A Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas), por exemplo, além de outras providências e medidas, dispõe expressamente a competência da Justiça Federal. 

Interessante fazer a ressalva que a circunstância em si de uma determinada substância entorpecente (droga) ser comercializada no Brasil, e ser de origem estrangeira (não produzida no nosso país), por si só não caracteriza a conexão internacional para atrair a competência da Justiça federal. A origem estrangeira, em si, da droga, não quer dizer que existe a conexão internacional num eventual tráfico interno. Então, não basta essa origem estrangeira da droga. É necessário que seja caracterizada a chamada conexão internacional, assim não sendo, persiste a competência no âmbito da Justiça Estadual. 

Outra hipótese expressa ressaltada pelo professor Walter Nunes é o crime contra a organização do trabalho (CF, art. 109, VI). Aqui, há a necessidade de observar que essa expressão utilizada pelo constituinte "crimes contra a organização do trabalho", ela guarda identidade com a nomenclatura utilizada pelo Código Penal. Todavia, a jurisprudência e a doutrina brasileiras, e há muito tempo, fixou o entendimento de que não são todos aqueles crimes lá previstos que, eventualmente praticados, inserem-se na competência da Justiça Federal. 

Os crimes contra a organização do trabalho, que se inserem na competência da Justiça Federal, são apenas aqueles em que há um prejuízo à organização do trabalho em geral, contra o sistema de trabalho em si. Se o crime é individual, se ele não é, em termos genéricos, contra os direitos dos trabalhadores no sentido coletivo, essa competência não cabe à Justiça Federal. 

Por exemplo, o crime de instigação à greve, ou o crime de impedir a realização da greve, são crimes específicos contra a organização geral do trabalho, logo, seriam de competência da Justiça Federal. Por outro lado, um crime de redução a condição análoga à de escravo, se praticado contra um trabalhador especificamente, será competente para apurar a Justiça Estadual. Mas se praticada contra uma coletividade de trabalhadores, por exemplo, trabalhadores rurais, essa competência passa a ser da Justiça Federal, pois estamos diante de um grupo de trabalhadores, logo, a organização geral do trabalho foi atingida. 

O ilustre professor lembra que houve um período de instabilidade muito grande em relação a esses crimes de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149). Alguns juízes estaduais entendiam que em todos os casos a competência era da Justiça Estadual; outros juízes estaduais entendiam que era da Justiça Federal. A mesma coisa acontecendo com juízes federais, entendendo que todos os casos seriam da Justiça Federal, e outros entendendo que seria apenas em determinadas situações de interesse coletivo. Havia até mesmo juízes do trabalho que entendiam que a competência era da Justiça do Trabalho. Nessa época houve, inclusive, casos de ajuizamento de ação penal perante a Justiça do Trabalho. Isso era uma interpretação advinda da Emenda Constitucional nº 45, que procuradores do trabalho e juízes do trabalho passaram a entender que seria da competência da Justiça do Trabalho. 

O Supremo dirimiu essa controvérsia, primeiro, reafirmando que a EC nº 45 não trouxe nenhuma competência de ordem criminal para a Justiça do Trabalho. E por outro lado salientou que essa competência, em se tratando de crime de redução a condição análoga à de escravo, é da competência da Justiça Federal quando relacionado a grupo de pessoas. 


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (VI)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.



Como dito, o inciso IV, do art. 109 da CF, ressalva que não seriam da competência da Justiça Federal as assim chamada contravenções penais. Essa é uma redação originária da CF/88, só que, posteriormente, o constituinte derivado criou o juizado especial federal, o qual não estava previsto na redação originária. Aliás, apesar da controvérsia a respeito, o nobre professor Walter Nunes tem um posicionamento de que não estava vedada à União criar também juizado especial. Contudo, em razão de dúvidas existentes, veio a Emenda Constitucional nº 22, de 1999, autorizando a União a criar o juizado especial federal. E essa competência do referido juizado é para julgar as chamadas infrações de menor potencial ofensivo.

Veio a lei que criou o Juizado Especial Federal (Lei nº 9.099/1995, temos também as Leis nº 10.259/2001 e nº 11.313/2006 que alteraram a primeira) e, ao tratar deste juizado especificamente, colocou que crimes de menor potencial ofensivo são as infrações penais cuja pena máxima não seja superior a dois anos, cumulada ou não com multa. Ora, se assim é, foram inseridas na competência do Juizado Especial Federal as contravenções. Observemos, pois, que o legislador fala em infrações. Infrações abrangem tanto crimes, como contravenções. 

Neste aspecto, o professor doutor Walter Nunes tece crítica, ao apontar uma falta de sistematização da legislação. Ao alterar a Constituição e permitir expressamente que a Justiça Federal criasse juizados especiais, para abordar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo, era preciso retirar a ressalva constante do inciso IV, art 109, da CF. A circunstância de o legislador assim não ter procedido, não impede, pelo contrário, exige do intérprete que ele faça uma interpretação sistêmica da Constituição Federal e chegue a uma conclusão a esse respeito. 

O professor, que inclusive é juiz federal, argumenta que tem sentença nesse sentido. Diz que há precedentes do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, mas, em nenhum caso viu decisão do STJ ainda fazendo essa abordagem, levando em consideração a Emenda Constitucional nº 22. Conclui que o caso está ainda a ensejar uma definição a respeito e acredita que, havendo uma maior discussão sobre o assunto, muito provavelmente, se chegará à conclusão de que a Justiça Federal - os Juizados Especiais Federais - também têm competência para as contravenções penais. 

Outra circunstância interessante abordada pelo professor a esse respeito é que, via de regra, quando se dá uma competência a determinado órgão, tal competência é para processar e julgar. Ora, processar e julgar quer dizer, também, executar. Logo, em rigor, a Justiça Federal, pela Constituição, é competente para processar e julgar toda e qualquer infração criminal que atinja bens, serviços e interesses da União, o que inclui, também, a execução.

Acontece que, por questão mais de ordem política, foi editada, pelo STJ, a Súmula 192: "Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual". De acordo com a súmula, a competência para a execução na hipótese de o preso se encontrar recolhido em presídio estadual, é do juízo estadual, ou seja, da Justiça Estadual. (45'50'')

A Súmula 192 do STJ já rendeu muita controvérsia, até quanto a sua compatibilidade com a Carta Magna. O professor demonstrou também aderir a esta vertente de pensamento, contudo, lhe parece uma solução adequada para a questão. Ora, é muito delicado que mais de um juiz exerça jurisdição sobre um determinado presídio. Isso pode ensejar uma insatisfação interna muito grande. Pela sua própria experiência pessoal, na época no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos mutirões carcerários, o meritíssimo Walter Nunes diz que chegou a esta conclusão, e, embora tenha sido dissonante da referida súmula, hoje concorda com seus termos. 

A esse respeito, quando foi criado o Sistema Penitenciário Federal, a Lei nº 11.671/2008 (que dispõe sobre a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima) estabeleceu que, em se tratando de preso, julgado pela Justiça Estadual, e recolhido em presídio federal, essa competência será da Justiça Federal tão somente em relação ao preso definitivo. Tratando-se de preso provisório, essa competência persiste com o juiz de origem, o qual, via de regra, é da Justiça Estadual.

Isso, na prática, criou duas regras diferentes, porque o entendimento do STJ, decorrente da súmula 192, é o seguinte: se o preso estiver recolhido em presídio federal, mesmo tendo sido a ordem de prisão determinada por um juiz federal, pouco importa se ele é preso definitivo ou provisório, essa competência é da Justiça Estadual. 

Porém, quando o recolhimento se dá em presídio federal, devido à expressa disposição da Lei nº 11.671/2008, essa competência só é da Justiça Federal quando se tratar de preso definitivo, ou seja, com sentença transitada em julgado. Se for preso provisório, essa competência incumbe ao juízo de origem. 


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

quarta-feira, 26 de junho de 2019

PORQUE PAULO HENRIQUE AMORIM FOI AFASTADO DA TV

... ou, como são tratados os que exercem o direito constitucional da liberdade de expressão e criticam o atual Governo.

Amorim: afastado do 'comando' do Domingo Espetacular. Perseguição política?

O jornalista Paulo Henrique Amorim, que apresentava o programa Domingo Espetacular há 14 anos na Rede Record, foi afastado do programa pela emissora.

Esquerdista barulhento, sem 'papas na língua' e com posicionamento ideológico contrário à grande mídia burguesa vendida, ele nunca teve medo de defender o que pensa. Porém, de uns tempos para cá, as opiniões do jornalista começaram a incomodar alguns setores da elite.

Desde 2014, quando a polarização entre esquerda e direita ficou mais acirrada, a Record foi pressionada, inúmeras vezes, para se livrar de Amorim. A emissora resistiu como pode, mas, acabou cedendo.

Em nota oficial, a 'emissora do bispo' esclareceu que Paulo Henrique Amorim não foi demitido. Ele permanece, pois, na Record, à disposição de projetos futuros. Isso se deve, segundo à nota, a um processo de reformulação do jornalismo na emissora.

Porém, o que se fala extraoficialmente é que Paulo Henrique Amorim foi afastado por ser um ferrenho crítico do governo federal, mormente do Ministro da Justiça. 

Caso isso seja verídico, estaremos diante de um ataque explícito à liberdade de imprensa, bem como à liberdade de expressão/pensamento, direitos assegurados na Constituição da República.

Ora, a liberdade de imprensa é um dos pilares do Estado democrático de direito. Se o governo federal ataca os cidadãos que estão exercendo um direito constitucionalmente garantido, onde vamos parar? 

Nós que fazemos o blog Oficina de Ideias 54 repudiamos veementemente isso e reafirmamos o compromisso de levarmos, aos nossos queridos leitores, informações verídicas e imparciais - enquanto isso ainda nos é permitido... 


(A imagem acima foi copiada do link ClickPb.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (V)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.


Seguindo em sua explicação, o professor menciona a Súmula 208, do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". A referida súmula procurou definir quando se identifica não só a questão do patrimônio, mas também do interesse da União Federal, no que concerne aos casos de transferência de recursos de órgãos federais, para órgãos estaduais ou municipais.

Especificamente a Súmula 208 do STJ está a afirmar que compete à Justiça Federal julgar eventual desvio de recursos, praticado por prefeito quando a prestação de contas sobre a aplicação dessas verbas estiver sujeita à fiscalização de órgão federal. 

Portanto, via de regra, quando há liberação de verbas para todos esses convênios firmados entre União, Estados e  Municípios, é imposta a exigência de fiscalização, da tomada de contas, por órgão federal. Isso, por si só, em muitos casos soluciona divergências entre competências da Justiça Federal e Estadual.  

Se ao acontecer o repasse de verbas ficar estabelecido de que haverá a necessidade de prestação de contas perante um órgão federal, quanto à aplicação de tais recursos, a competência fica com a Justiça Federal. 

Por outro lado, a Súmula 209, do STJ estabelece que: "Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal". Ou seja, situação em que não há a necessidade de prestação de contas perante órgão federal. O que ocorre nos repasses constitucionais, previstos na participação dos Municípios ou dos Estados quando da repartição do 'bolo' tributário. Tais recursos, se inserem dentro do patrimônio municipal ou estadual e, por conseguinte, a competência é da Justiça Estadual. 

Dentro dessa expressão 'serviço' se insere aqui a competência da Justiça Federal quando o crime é praticado contra funcionário público em razão do exercício de suas funções. É o que está disposto na Súmula 147, do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função". 

Um crime praticado contra um servidor federal (juiz federal, por exemplo), não necessariamente a competência vai ser da Justiça Federal. Haverá de ser observado qual foi o motivo que ensejou a prática do crime. Caso seja questão de ordem pessoal, essa competência será da Justiça Estadual. Porém, se for em razão, por exemplo, de uma pessoa estar chateada pela decisão proferida por um juiz (este, no exercício de suas atribuições de servidor federal), e vier a praticar um crime contra este, a competência seria da Justiça Federal. 

Outra súmula que mereceu menção do ilustre professor é a Súmula 200, do ex-Tribunal Federal de Recursos, a qual define que compete à Justiça Federal processar e julgar crimes de uso de documento falso perante a Justiça do Trabalho. Isso se dá, segundo o professor, também com base na relação do serviço, qual seja, a atividade jurisdicional, que neste caso está sendo prejudicada devido a fraude praticada. Daí, por óbvio, a competência da Justiça Federal, por estar defendendo um interesse de órgão da União. 

Súmula 165, do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista", retrata esse entendimento que constava da Súmula 200, do ex-Tribunal Federal de Recursos. Ora, o crime de falso testemunho, perpetrado perante a Justiça do Trabalho, ou no decorrer do processo trabalhista, é da competência da Justiça Federal. Quanto ao interesse, também segue a mesma lógica que para definir a competência da Justiça Federal é preciso que este prejuízo a interesse seja, também, específico e concreto. Havia uma súmula do STJ que contrariava essa orientação. 

Súmula 91 do STJ foi cancelada, dizia que competia à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna (conjunto de animais de determinada região), pouco importando se o prejuízo era concreto e direto. Depois de decisões do Supremo Tribunal Federal, findou o STJ revogando essa súmula, pois a mesma definia uma competência da Justiça Federal com suporte apenas num interesse genérico. Algo que, como dito, contrariava toda a orientação jurisprudencial.  

Afora essa competência geral, do inciso IV, do art. 109 da CF, os demais incisos depois dele (inciso IV) tratam de competências específicas da Justiça Federal. A primeira é em relação aos assim chamados crimes políticos, definidos na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983). Esta lei, ainda que possuam alguns dispositivos não recepcionados pela atual Constituição Federal, outros tantos ainda estão em vigor, podendo ser aplicados. 



(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

terça-feira, 25 de junho de 2019

"Se vai fazer a coisa errada, erra direito!"


Frase dita pelo personagem Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), no seriado Friends, episódio Aquele da Festa de Despedida.

(A imagem acima foi copiada do link Images Google.)

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA ENTRE JURISDIÇÕES (IV)

Resumo do vídeo "Competência entre jurisdições ou competência entre justiças comuns e especiais" (duração total: 1h43min58seg), do professor Walter Nunes da Silva Junior. Texto apresentado como atividade complementar da disciplina Direito Processual Penal I, do curso Direito bacharelado, matutino, da UFRN, semestre 2019.1.


O professor palestrante cita, ainda, outro exemplo a este respeito: digamos que um servidor do Poder Judiciário Federal estaciona seu carro em determinado local e o veículo vem a ser furtado. Dentro do veículo existem vários documentos oficiais (digamos que o servidor seja oficial de justiça). Em virtude disso, o serviço (um mandado, por exemplo) não chega a ser executado pelo oficial de justiça naquela ocasião ou demanda mais alguns dias para ser executado. Ora, em tese, houve uma lesão ao serviço prestado por um agente federal de um órgão, cuja competência seria da Justiça Federal. Porém, este prejuízo é apenas mediato, e não direto e específico. 

Para ficar mais claro o que quer dizer essa exigência de prejuízo direto e específico o professor Walter esclarece:  caso uma pessoa venha a cometer homicídio contra um oficial de justiça, da Justiça Federal. Se o agente matou o oficial de justiça por ter com ele uma inimizade pessoal, esse crime, de toda sorte, não vai deixar de trazer um prejuízo para o serviço da Justiça Federal, se, por exemplo, naquele dia o oficial de justiça tivesse que cumprir vários mandatos e os mesmos não venham a ser cumpridos. Em tese, imediatamente, este serviço foi atingido. Entretanto, a competência não recairá sobre a Justiça Federal porque o dano não foi direto e específico. 

Dano direto e específico seria, por exemplo, se uma pessoa matar o oficial de justiça, por exemplo, exatamente para que este não cumprisse suas atribuições. Aí, sim, se daria a competência da Justiça Federal. 

A competência, no ambiente criminal é bastante complexa. Ela vai depender da vontade do agente, ou seja, qual a finalidade do agente com a prática do crime. Se o agente queria matar a vítima porque esta era um agente federal, restará concretizada a competência da Justiça Federal. Se o agente pratica o crime - contra o agente federal - impulsionado por um motivo pessoal qualquer, essa competência não seria da Justiça Federal. 

O palestrante Walter Nunes salienta que isto não é nenhuma novidade no ambiente criminal, sendo um dos principais problemas também que traz a complexidade da prova, uma vez que, em muitos casos, para se definir se um crime foi praticado, a prova deverá revelar o animus do agente infrator; qual era, especificamente, o dolo do agente infrator ao praticar a conduta ilícita. Isso também ocorre no que diz respeito à definição da competência. 

Para visualizarmos melhor o que foi dito anteriormente, basta analisarmos, por exemplo, se o caso se trata de homicídio ou se é uma lesão corporal seguida de morte. Se determinada situação é tentativa de homicídio ou uma lesão corporal. No campo da competência, se for uma lesão corporal seguida de morte, será competência do juiz togado; por outro lado, se for um crime de homicídio, será competência do tribunal do júri. Portanto, competência de acordo com o animus do agente que praticou o delito. 

Na definição de competência, especialmente quando se trata de crime praticado contra um agente público, há de se observar se o crime foi motivado em razão do exercício da função dele. Se for em razão do exercício da função dele, e, sendo ele um agente federal, a competência vai ser da Justiça Federal. 

De acordo com Súmula do STJ e, ressaltando mais uma vez o que já salientado anteriormente, tratando-se de crime contra sociedade de economia mista, a competência será da Justiça Estadual, uma vez que esta, para fins jurídicos, não é considerada empresa pública. Ainda que tenha participação societária da União. Isso está definido na Súmula 42 do STJ: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento". 

Às vezes há uma certa confusão neste aspecto, que já ensejou, inclusive, certa discussão no ambiente jurisdicional, por exemplo: um crime contra o patrimônio do Sindicato dos Servidores Públicos Federais a competência para julgar é da Justiça Federal ou da Justiça Estadual? Ora, o sindicato é uma entidade civil, tem personalidade jurídica de direito privado e não é considerado, obviamente, empresa pública. Daí que a competência para investigar crimes contra o patrimônio ou interesses desse sindicato é da Justiça Estadual, e não da Justiça Federal. 

Como salientado, não há tanta necessidade de se extremar se em determinado caso foi atingido um serviço ou interesse. Via de regra, quando é atingido um serviço, também é atingido um interesse. Não há de se negar que, de toda sorte, um bem (patrimônio) de uma entidade pública federal, via de regra, está afeto a um serviço. E, da mesma forma, o serviço sempre está relacionado com o interesse da entidade quanto ao cumprimento da sua missão ou realização de suas atribuições.

O furto de um equipamento eletrônico, por exemplo, é um crime contra o patrimônio e, caso seja contra uma das entidades federais, será de competência da Justiça Federal. 


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)