Para STF, Receita pode obter dados bancários de contribuintes sem decisão judicial
Com o placar final de 9 votos a 2, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que são constitucionais os dispositivos da
Lei Complementar 105/2001 e de regulamentações posteriores que permitem o fornecimento pelos bancos à Receita Federal de informações sobre movimentações financeiras de contribuintes, sem necessidade de autorização judicial.
Na sessão desta quarta-feira (24), foi concluído o julgamento conjunto de um recurso extraordinário com repercussão geral (RE 601.314) e de quatro ações de inconstitucionalidade que contestavam a constitucionalidade dos artigos
5º e
6º da
Lei Complementar 105/2001, por configurarem quebra de sigilo bancário, com violação do artigo
5º, inciso 12 da
Constituição Federal de 1988 (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”).
Ficou ainda decidido pela maioria que o relator do acórdão deverá “explicitar” que os estados e os municípios devem promover regulamentos – assim como fez a União no
decreto 3.724/2001 – prevendo:
# processo administrativo para a obtenção dessas informações;
# adoção de sistemas adequados de segurança e registros de acesso pelo agente público, a fim de evitar a manipulação indevida dos dados e/ou desvio de finalidade; e
# garantia ao contribuinte da prévia notificação da abertura do processo e amplo acesso aos autos.
A corrente vencedora entendeu, em síntese, que os dispositivos legais da LC
105 contestados no recurso extraordinário e nas quatro ações de inconstitucionalidade (ADIs 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859) não configuram violação da intimidade, por não se tratar, propriamente, de quebra do sigilo bancário, mas de transferência de informações – dos bancos para o Fisco – de dados a quem têm acesso até os próprios gerentes das agências bancárias.
Os votos
Na sessão plenária desta quarta-feira, Luiz Fux aderiu logo à maioria, destacando que sua posição coincidia com o voto do seu colega Roberto Barroso. Ambos defenderam a tese de que a regra geral da quebra ou transferência de sigilo bancário deve ser a reserva de jurisdição, mas que a regra poderia ser atenuada no caso da Receita Federal. Isso por que a Receita já é “destinatária natural dessas informações”, e o contribuinte que cumpre as suas obrigações já presta, anualmente, informações relevantes sobre seus saldos, pagamentos a terceiros e investimentos.
O ministro Gilmar Mendes proferiu um extenso voto, no qual citou doutrina sobre os possíveis limites à proibição constitucional de acesso a dados privados. A seu ver, a LC
105 é constitucional, tendo em vista que direitos fundamentais como os da privacidade e da intimidade têm “forte conteúdo jurídico”, ou seja, são “direitos passíveis de conformação” e, portanto, sujeitos a determinadas limitações legais. Assim, a temática deve ser analisada sob o prisma do “princípio da proporcionalidade” e, no caso em questão, não se pode confundir o princípio constitucional com a necessidade de “informação necessária ao Fisco”.
Mendes enfatizou o “papel essencial” dos tributos no estado democrático de direito, levando-se em conta que o estado de hoje depende dos tributos para que possa existir e funcionar. Ele exemplificou como uma exceção comum e usual ao princípio fundamental do respeito à intimidade a prática de fiscalização de bagagens nos aeroportos.
O decano do STF, Celso de Mello – apesar de já vencido, juntamente com Marco Aurélio – fez questão de reafirmar o voto proferido em 2010. Afirmou que “não configura demasia insistir na circunstância – que assume indiscutível relevo jurídico – de que a natureza eminentemente constitucional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado pelo texto da Constituição da República, a necessidade de intervenção jurisdicional no processo de revelação de dados pertinentes às operações financeiras, ativas e passivas, de qualquer pessoa eventualmente sujeita à ação investigatória (ou fiscalizadora) do Poder Público”.
Para Celso de Mello, “a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs, pressupõe, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporá à instituição financeira o dever de fornecer, seja à administração tributária, seja ao Ministério Público, seja, ainda, à Polícia Judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas”.
(Imagem copiada do link JusBrasil, texto, idem, com adaptações.)