Obs.: tema da prova
discursiva (redação) do concurso da UFRN – 2018, cargo de Jornalista.
Descriminalizar é fazer com que
uma conduta humana, antes tipificada como crime, não seja mais classificada
como tal. Hodiernamente no Brasil praticar aborto – salvo nos casos específicos
em lei – é considerado crime, respondendo por ele quem pratica, quem auxilia ou
quem consente que o faça.
Isso não evita, contudo, que a
prática do aborto seja realizada em nosso país. Pelo contrário, a mulher que
pode pagar, o faz em clínicas particulares modernas, amparadas por toda uma
infraestrutura médica especializada. Já a mulher pobre, por outro lado, coloca
em risco a própria vida e a saúde ao entrar numa clínica clandestina,
verdadeiras matadouros humanos.
O que fazer, então? A
saída – pelo menos do ponto de vista jurídico – seria a aprovação de uma lei
que legalizasse a prática do aborto. Mas infelizmente não é isso o que acontece
na prática.
Nosso Congresso Nacional (Câmara
e Senado federais), composto por uma bancada elitista, amparada numa
pseudo-ideologia cristã, utiliza o falso argumento da proteção à vida e não
legisla nada concernente à descriminalização do aborto. Hipócritas! Na verdade,
nossos congressistas não fazem isso com receio de perderem os votos de seus
respectivos currais eleitorais.
Ora, o aborto clandestino
tornou-se um problema de saúde pública e, na inércia (incompetência) do
legislador, o Supremo Tribunal Federal (STF), foi chamado para se posicionar a
respeito do tema, afinal, “o poder não deixa lacunas”.
Mas surge, então, outra
problemática: seria o STF a instância mais adequada para decidir sobre um
assunto tão polêmico quanto a descriminalização do aborto?
Não estaria nossa Suprema Corte ferindo o princípio da harmonia e independência
dos três poderes?
Nesse sentido a doutrina,
majoritariamente, entende que o “Supremo” tem, sim, a competência para decidir
a respeito da descriminalização do aborto. Por vários motivos. Vamos a
alguns...
O STF é a Corte máxima do nosso país. Portanto,
constitucionalmente, a ele é atribuído o papel de decidir, em última instância
e em caráter definitivo (irrecorrível), qualquer controvérsia, apelação ou
recurso que chegar até ele. Trocando em miúdos, mesmo havendo lei (ordinária ou
complementar) que descriminalizasse o aborto, a palavra final ainda caberia ao
Supremo.
Composto por 11 (onze) Ministros, de
notável saber jurídico e reputação ilibada, nossa Corte Maior decide de maneira
imparcial e impessoal, não estando afeta a posicionamentos de caráter
eleitoreiro. Mais um ponto a favor em relação ao Congresso Nacional.
Cabe salientar, ainda, que ao decidir
a respeito da descriminalização do aborto o STF não está entrando na seara da
interferência na harmonia e independência dos três poderes. Ao contrário, ele
está lançando mão de um instituto muito comum em nações de “common law” (EUA, Austrália, Canadá e
Grã-Bretanha), como em países de “civil
law” (Alemanha, Espanha, Argentina e Brasil), o chamado ativismo judicial.
Ora, o ativismo judicial (ou
protagonismo judicial) nada mais é do que o Poder Judiciário atuando quando os
outros poderes (Executivo e Legislativo) não cumprem suas respectivas funções,
tornando-se omissos ou, simplesmente, inertes.
Por estas e outras razões, caros
leitores, podemos afirmar que se existe uma instância competente e adequada
para decidir sobre a descriminalização do aborto, essa instância é o Superior Tribunal
Federal.