quarta-feira, 20 de março de 2019

"BIZUS" DE DIREITO PROCESSUAL PENAL (VI)

Fichamento (fragmento) da videoaula Introdução - Princípios do Processo Penal, do professor doutor Walter Nunes, disciplina Direito Processual Penal I, da UFRN, semestre 2019.1

Getúlio Vargas: no seu governo entrou em vigor o Código de Processo Penal.

Na história jurídica brasileira, no que concerne ao Direito Processual Penal, só tivemos, até hoje, dois códigos de processo. Um de 1832, que foi extremamente avançado para a época. Feito de acordo com um viés liberal, com o pensamento da Escola Clássica, sendo, portanto, um instrumento de garantia.

Com a primeira constituição republicana (1891) foi implantado no Brasil o dualismo processual. Isso significava que cada Estado da Federação poderia editar seus respectivos códigos de processo, seguindo a simetria do sistema norte-americano. Cada Estado não chegou a editar um código de direito material, mas sim de direito processual. Isso em relação ao Processo Civil foi bastante importante porque vários Estados (províncias na época) editaram seus códigos de Processo Civil, mas poucos editaram os de Processo Penal, e os que fizeram, fizeram no sentido de quebrar o viés liberal do código de 1832. Dando força ao poder estatal, tais códigos tiveram ideias extremamente retrógradas.

Em suma, esse dualismo processual que perdurou até 1934 representou um retrocesso, porque os códigos de Processo Penal vieram “contaminados” com as ideias da Escola Positiva.

A Constituição de 1934 restaurou a unidade processual no ordenamento jurídico brasileiro. Em razão disso, veio a ser promulgado o Código de Processo Civil de 1939 e o Código de Processo Penal de 1941, ainda em vigor hodiernamente.

Como é sabido, a Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945, período que coincidiu com os primeiros anos do nosso atual Código de Processo Penal. Nessa época, as ideias da Escola Positiva se fizeram sentir com bastante veemência, por causa da necessidade de Governos fortes. Basta citar para isso o exemplo da Alemanha nazista, cujas práticas de castração e genocídio contra os judeus fez com que muitos juízes, após o término da guerra, fossem processados por crimes contra a humanidade. Legislação semelhante à da Alemanha nazista, foi a da Itália fascista, a qual serviu de elaboração para nosso Código de Processo Penal.

Para se ter uma ideia do contexto no qual foi elaborado o Código de Processo Penal brasileiro, basta lembrar que neste período o Congresso Nacional (CN) estava fechado. Note-se, em virtude disso, que o instrumento legislativo que criou o referido código não foi uma lei, mas um decreto-lei.

Decreto-lei naquela época era muito mais antidemocrático do que a medida provisória (MP) de hoje. Esta, na verdade, surgiu na CF/88 para extinguir a figura do decreto-lei, altamente autoritário e antidemocrático. Uma constituição dita cidadã não poderia conviver com a figura do decreto-lei. Note-se que mesmo com a previsão da medida provisória no nosso sistema, que deve passar pelo crivo do parlamento, ainda assim não se pode editar código mediante medida provisória, nem muito menos lei criminal (seja processual penal, seja de direito material).

Em 1937 foi editada uma nova Constituição, chamada de polaca, pois fora inspirada na constituição polonesa, mas que na verdade foi um golpe de Estado, perpetrado por Vargas, um governo ditatorial. O Código Penal e o de Processo Penal reproduzem todo esse viés autoritário da época. Por isso, diz-se que o Código de Processo Penal é um código ditatorial e policialesco.

Para se ter consciência disso, basta ler a exposição de motivos do CPP. Percebemos uma ideologia visando dar força ao Estado, de armar o Estado, de quebrar “privilégios” dos acusados.

Logo após a Segunda Guerra Mundial surge uma nova escola que tenta resgatar esse viés humanitário do Direito Criminal. Veio a Escola da Nova Defesa Social, capitaneada pelo francês Marc Ancel (1902 - 1990). Mas o Brasil ficou em estado latente. Tivemos a Constituição de 1946, até então a mais democrática da história brasileira, mas cuja vigência foi muito abreviada. Logo após veio o regime militar que elaborou a Constituição de 1967, feita para atingir os fins do novo governo (ditatorial). Essa Constituição foi elaborada pelos próprios militares, não tendo qualquer participação popular e faltava-lhe uma declaração de direitos fundamentais.

Ora, para a condição de existência de um Estado moderno, segundo os moldes da Revolução Francesa, é imprescindível a existência de duas coisas: tripartição de poderes e uma declaração de direitos fundamentais. E a Constituição de 1967 não tinha isso. 

Em toda a história das Constituições brasileiras, nenhuma deixou de trazer a declaração de direitos fundamentais. A Constituição de 1967 não havia trazido, passando uma clara mensagem dos reais propósitos daqueles que assumiram o poder – os militares. Contudo, como forma de tentar ‘remendar’ o texto, o regime militar inseriu a declaração de direitos fundamentais no artigo 153, ou seja, na ‘rabeira’ do texto constitucional.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

A 13ª EMENDA (13th) - RESENHA (XI)

Direito, História, democracia, cidadania, Filosofia, Sociologia. Tudo num único documentário



O complexo industrial criminal é um sistema que age como uma fera. Devora comunidades inteiras, destroça famílias, acaba com reputações, destrói o que há de melhor nas pessoas. As cenas mostradas no documentário mostram isso. Detentos sendo humilhados pelos guardas, recebendo surras e outros castigos físicos, sem a mínima atenção às suas prerrogativas de pessoa humana.

As cenas são fortes, mas são reais e acontecem quotidianamente. As prisões não reabilitam os detentos, pelo contrário, tiram deles o que os faze humanos. Tiram sua individualidade, sua decência, sua dignidade. Seres humanos não nasceram para viver em celas, como animais. A liberdade deveria ser a regra.

As prisões estão virando verdadeiros depósitos de carne humana. Depois que alguém é encarcerado, ele desaparece. Mesmo depois que conquista a liberdade, nunca mais será o mesmo. E quando sai, continua marginalizado. Para conseguir emprego, financiamento habitacional ou estudantil é quase impossível, o estigma acompanha o detento pelo resto da vida. É como se a dívida com a sociedade nunca fosse paga.

E se nos Estados Unidos é assim, quanto mais em outros países menos ‘avançados’ em termos econômicos e sociais.

É imperativo que todo o sistema seja redefinido. Para Hillary Clinton, que disputou a corrida presidencial em 2016, a polícia deve servir à comunidade, e não oprimi-la. Já é um bom começo.

Outro fato que demonstra que a questão do encarceramento em massa deve ser revista foi a visita do então presidente Barack Obama a um presídio. Nesse ponto, Obama fez história em dois aspectos: foi o primeiro negro a chegar à Casa Branca e o primeiro presidente norte-americano em exercício a visitar uma prisão.

Parecia que uma centelha de mudança começava a surgir. Mas então veio o Trump... O documentário mostra cenas deprimentes, de negros sendo agredidos por brancos em comícios de Donald Trump. Em pleno século XXI, um candidato à presidência se mostra conivente com a segregação dos negros. Um retrocesso em todas as conquistas dos afro americanos, conseguidas a duras penas. Trump foi eleito presidente, o tempo dirá se foi uma boa escolha do ponto de vista das pessoas ‘de cor’, latinos e imigrantes. A julgar pelas cenas de racismo deploráveis vistas nos comícios dele, achamos que não.

O documentário A 13ª Emenda mostra, ainda, uma estatística preocupante e alarmante. Se você é branco, a chance de ser preso é de 1 em 17. Se você é um jovem negro, a chance é de 1 em 3. Os dados são do Departamento de Justiça.

Homens negros formam cerca de 6,5 % (seis e meio por cento) da população norte-americana. Todavia, representam 40,2% (quarenta vírgula dois por cento) da população carcerária. E, pasmem, temos hoje mais afro americanos sob supervisão criminal do que escravos em 1850. Alguém aí ainda duvida que tem alguma coisa errada?

É fato. O complexo industrial prisional se vale historicamente da herança da escravidão. A 13ª emenda proíbe a escravidão, exceto se você for condenado por um crime. Desta feita, nos EUA, quando alguém é condenado por um crime se torna, em essência, um escravo do Estado.

Apesar de a 13ª emenda ter representado verdadeiro marco para a liberdade e a abolição, hodiernamente, a realidade é bem mais problemática. Quem busca utilizar esta cláusula como ferramenta de controle, tem algo poderoso nas mãos, pois está agindo sob o amparo constitucional.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)