quarta-feira, 19 de junho de 2019

DICAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL - AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL (III)

Resumo de trecho da monografia AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL: (RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES, de Gabriel Lucas Moura de Souza. Texto apresentado como trabalho complementar da disciplina Direito Processual I, do curso Direito Bacharelado, da UFRN, 2019.1

Cesare Beccaria: defendia um processo penal humanizante há mais de 200 anos! 

4.4 A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: UM TERRENO ALHEIO ÀS GARANTIAS?

Neste tópico, o autor Gabriel Lucas Moura de Souza convida-nos, através de argumentos legais e jurisprudenciais, a conhecer melhor e questionar a investigação da fase pré-processual.

Ora, hodiernamente no cenário brasileiro, existem inúmeras falhas estruturais que assolam nosso modelo de justiça criminal. Ele aponta algumas falhas: carência generalizada de Defensorias Públicas adequadamente aparelhadas; o colapso prisional, que reproduz reflexos diretos no quotidiano forense; o modelo de poder judiciário, burocratizado e contraproducente, fato que distancia o juiz da função de julgador, aproximando-o mais da figura de um gestor de unidade jurisdicional. Somado a tudo isso, temos ainda uma verdadeira fratura no modelo de persecução penal, qual seja, a crise da investigação preliminar.

A crise da investigação preliminar também se explica pelo fato de poucos estudiosos se dedicarem, com afinco acadêmico, a aprimorar o modelo de persecução penal na sua fase pré-processual.

Essa desatenção, como apontado por Gustavo Noronha e Vera Guilherme, se explica, principalmente, pelo fato de nos cursos de graduação em Direito a figura do policial passar praticamente despercebida. Ambos os autores mencionam que o grande entusiasmo, tanto por parte dos alunos, quanto dos professores, está a partir do art. 24 do CPP, onde começam a ser estabelecidas as regras de ações penais. A partir do referido artigo está concentrado a maior parte do conteúdo que ‘cairá’ nas questões dos exames da Ordem.

Desta feita, como na academia a preocupação muitas vezes é com o que será ‘cobrado’ no exame da OAB, a figura do policial, como dito anteriormente, fica praticamente esquecida na investigação preliminar. E não é só isso. A subvalorização da investigação preliminar estimula o ilegalismo e contribui para a perpetuação dessa infâmia, que é a cultura policialesca aqui no nosso país.

Instalou-se, assim, o que alguns estudiosos denominaram de falência do modelo de investigação preliminar praticado no Brasil. Por causa disso, historicamente, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência mais tradicionais, são uníssonas em reafirmar que a fase pré-processual é um terreno alheio às garantias, praticamente imunizado das influências democráticas do processo penal constitucional. É como se pudesse fazer qualquer coisa nesta fase, algo que Beccaria já condenava há mais de 200 anos!

Corroborando esta ideia, Romeu de Almeida Salles Jr. ao analisar o inquérito policial é enfático ao dizer que, por representar ‘mera peça de informação’, esta fase da persecução penal não se sujeita ao princípio do contraditório, uma vez que eminentemente inquisitiva. Logo, a autoridade policial comanda as investigações como bem entender, já que o inquérito não passa de ‘simples informação’.

Como o professor doutor e juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior costuma dizer, a fase pré-processual (da investigação criminal) muitas vezes impõe medidas (prisão cautelar, apreensão de bens) piores que a própria pena.

Para o autor Gabriel Lucas as palavras ‘mera’ e ‘simples’, muito utilizadas pela doutrina, são adjetivos que só corroboram a subvalorização científica e acadêmica dada à investigação preliminar. E quando os atos da justiça criminal não são sujeitados à análise de uma crítica dogmática, tem-se um terreno fértil para o autoritarismo do poder punitivo. 

Com enfoque nesse aspecto, o autor insere numa nota de rodapé a brilhante opinião de Gustavo Badaró. Este não tem coragem de dizer para seus alunos que o inquérito policial (IP) é um mero procedimento administrativo. Explica-se: hoje, com base nesse 'mero' procedimento prende-se a pessoa  e tira-se todo o seu patrimônio. Ademais, não raras vezes na persecução penal, a instrução não serve para nada além de chancelar tudo aquilo que foi decidido na fase do IP, que de 'mero' não tem nada.


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

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