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quinta-feira, 7 de setembro de 2023

SANTO AGOSTINHO - VIDA E OBRA (V)

Bispo ativo e pensador polêmico (II)


O contato com o povo fazia-se de múltiplas maneiras. Em primeiro lugar, nos ofícios propriamente religiosos de celebração da liturgia, administração dos sacramentos e pregação dos domingos e festas de guarda, quando não todos os dias. O ministério da palavra produziu um número enorme de sermões, quinhentos dos quais foram recolhidos pelos estenógrafos e chegaram até os dias de hoje.

Além disso, Agostinho dirigia a instrução catequética dos futuros batizandos e dedicava-se à direção espiritual e a obras de caridade. Aos poucos, essas responsabilidades alargaram-se ainda mais: defendia os pobres, intervinha junto aos poderosos e magistrados em favor dos condenados ou oprimidos, procurava fazer respeitar o direito de asilo. Se tudo isso não bastasse, era ainda obrigado a administrar o patrimônio da igreja e exercer as funções seculares de verdadeiro juiz, pois desde Constantino (288?-337) o império tinha reconhecido a competência da autoridade episcopal nos processos civis.

Apesar de tudo, conseguiu redigir uma obra imensa, a maior parte da qual inspirada em problemas concretos que preocupavam a Igreja da época. Excetuaram-se alguns poucos livros, como as Confissões, onde Agostinho se revela admirável analista de problemas psicológicos íntimos tanto quanto de questões puramente filosóficas, e o De Trinitate, ao que parece, fruto de uma exigência interior e espontânea.

Entre as principais obras de Agostinho, situam-se: Contra os Acadêmicos (escrita em 386), Solilóquios (387), Do Livre-Arbítrio (388-395), De Magistro (389), Confissões (400), Espírito e Letra (412), A Cidade de Deus (413-426) e as Retratações (413-426).  

Quase todas assumiram caráter polêmico, em decorrência dos diversos conflitos que o bispo de Hipona teve de enfrentar. Esse aspecto foi tão importante que levou São Posídio, amigo e primeiro biógrafo de Agostinho, a classificá-las conforme os adversários enfrentados: pagãos, astrólogos, judeus, maniqueus, priscilanistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.

À medida que os anos passavam e a velhice começava a chegar, Agostinho preocupava-se em reservar mais tempo para dedicar-se ao trabalho de escrever. Em 414 esforçou-se para eliminar as ocupações exteriores e conseguiu, pelo menos, não ter que se deslocar para a sede da igreja africana em Cartago. Pôde, então, passar alguns anos mais tranquilos. Mas só em 426, já com 72 anos de idade, obteve permissão para ficar livre durante cinco dias por semana, passando a quase totalidade das funções episcopais para o presbítero Heráclito. Pôs-se, então, a colocar os seus livros em ordem, catalogando-os para a posteridade.

O fim da vida estava chegando e viria junto com a invasão dos vândalos, que, depois da devastação da Espanha, penetraram na África e sitiaram Hipona. Pouco depois de a cidade ser incendiada pelos bárbaros, Agostinho adoeceu. Morreu no dia 23 de agosto de 430. Despedia-se assim da "cidade dos homens", que considerava pecaminosa e em trevas, e penetrava na "Cidade de Deus".

Deixava, no entanto, uma obra de pensamento que reinaria no Ocidente cristão durante pelo menos sete séculos, até que outras cabeças pensassem a nova fé em termos filosóficos diferentes.

Fonte: Santo Agostinho. Coleção Os Pensadores. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

(A imagem acima foi copiada do link Santhatela.) 

SANTO AGOSTINHO - VIDA E OBRA (IV)

Bispo ativo e pensador polêmico (I)


A nova estrada era estreita, mas segura e luminosa. Para nela entrar Agostinho concluiu que precisava desviar-se inteiramente daquela outra, de comodidades mundanas e sensualidade pecaminosa. Em primeiro lugar, deveria desfazer-se do cargo de professor municipal. Felizmente faltavam poucos dias para as férias das vindimas e a demissão foi facilitada. 

Partiu, então, para a propriedade rural do amigo Verecundo, em Cassicíaco, onde descansaria "das angústias do século" juntamente com a mãe, o filho e alguns amigos, entre os quais Nebrídio e o fiel Alípio, companheiro em toda a sua vida.

O passo seguinte seria o batismo na Páscoa, como era costume na Igreja dos primeiros tempos. Alípio e Adeodato também receberam o primeiro sacramento, essencial, segundo o cristianismo, para a santificação da alma.

Mônica, a mãe, tinha atingido o objetivo pelo qual lutara a vida toda e poderia esperar tranquila a morte, que realmente ocorreu alguns meses depois, no outono de 387, na cidade de Óstia. 

Agostinho estava desolado por ter perdido a mãe, mas por outro lado tinha diante de si um futuro de verdadeira alegria e esperança. Voltou a Tagaste, vendeu as propriedades paternas e, congregando em torno de si os amigos mais fieis, organizou uma espécie de comunidade monástica. Ali pretendia passar o resto da vida em recolhimento, aprofundando a vocação religiosa e fundamentando racionalmente a fé que abraçara. 

No entanto, nem tudo ocorreu como queria e os cuidados que Agostinho tomou para não ir a cidade alguma, cuja sede vacante pudesse ser-lhe proposta, surtiram efeito por apenas três anos. Num dia de 391, penetrando na igreja de Hipona (hoje Annaba ou Bone, na Argélia), ouviu o bispo Valério propor à assembleia de fieis a escolha de um coadjutor das funções sacerdotais, especialmente para o ministério da pregação. O povo não teve dúvidas e uma só voz ecoou pelo templo: "Agostinho, presbítero!"

Ele não gostou, mas atendeu ao que considerou um chamado divino. Desde então foi obrigado a deixar de lado as pretensões de se limitar à meditação teológica e não mais pôde gozar o "otium intelectuale", como tanto desejara. As exigências do ministério, e principalmente as funções pastorais, revelaram-se exaustivas e pouco tempo sobrava para o trabalho de pensamento.

Vigário aos 36 anos, bispo coadjutor de Valério aos 41 e sucessor deste, logo depois, Agostinho permaneceria por mais de quarenta anos ligado à igreja de Hipona, dividindo-se entre tarefas administrativas e reflexão filosófica. Mas isso não deixou de ter aspectos positivos, na medida em que o resguardou de um recolhimento muito severo e o fez conhecer aspectos da fé popular, tais como o culto das relíquias e dos mártires. 

Fonte: Santo Agostinho. Coleção Os Pensadores. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

(A imagem acima foi copiada do link Getty Images.)