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sábado, 12 de agosto de 2023

POEMA DE SETE FACES


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás das mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) poeta, contista e cronista brasileiro. In ALGUMA POESIA, 1930. 

(A imagem acima foi copiada do link Exame.) 

sábado, 18 de julho de 2020

CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.


A vida e a obra de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores ...

Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987): poeta, cronista e contista brasileiro. Um dos principais expoentes da segunda geração do Modernismo aqui no Brasil, Drummond também é considerado o mais influente poeta brasileiro do séc. XX. 


(A imagem acima foi copiada do link Revista Galileu.)

segunda-feira, 13 de julho de 2020

BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES

Helena (mitologia) – Wikipédia, a enciclopédia livre
A bela Helena: pivô da guerra entre gregos e troianos.

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano, 
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também. 

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento 
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.


Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987): poeta, cronista e contista brasileiro. Um dos principais expoentes da segunda geração do Modernismo aqui no Brasil, Drummond também é considerado o mais influente poeta brasileiro do séc. XX. 


(A imagem acima foi copiada do link Google Images.)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

VACINA DE ANO NOVO


Muitos me desejaram paz e amor em 75. 
Mas havendo amor, haverá paz? 
Amor é o contrário radioso dela. 
É inquietação, agitação, 
vontade de absorver o objeto amado, 
temor de perdê-lo, 
sentimento de não merecê-lo, 
ânsia de dominá-lo, 
masoquismo de ser dominado por ele, 
dor de não o haver conhecido antes, 
dor de não ocupar seu pensamento 24 horas por dia, 
e mais dias a pedir ao dia para ocupá-lo, 
brasa de imaginá-lo menos preso a mim do que eu a ele, 
desespero de o não guardar no bolso, 
junto ao coração, 
ou fisicamente dentro deste, 
como sangue a circular eternamente e eternamente o mesmo. 
Amor é isso e mais alguma triste coisa. 
E a tristeza incurável do tempo não passa fora de nós, 
passa é dentro e na pele marcada da gente, 
lembrando que eternidade é ilusão de minutos 
e o ato de amor deste momento 
já ficou mergulhado em ter sido. 
Amor é paz?

Carlos Drummond de Andrade


(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

"O cofre do banco contém apenas dinheiro; frusta-se quem pensar que lá encontrará riqueza".


Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), poeta, cronista e contista brasileiro. Considerado pela crítica especializada como o poeta brasileiro mais influente do século XX, Drummond foi um dos principais expoentes da chamada segunda geração do Modernismo brasileiro.


(A imagem acima foi copiada do link Revista Prosa Verso e Arte.)

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

QUADRILHA


João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na histَoria.


Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), poeta, cronista e contista brasileiro. 


(A imagem acima foi copiada do link Cultura Mix.)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

VERBO SER



Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), poeta, cronista e contista brasileiro. 




(A imagem acima foi copiada do link Alergo House.)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

POESIA



Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento 
inunda minha alma inteira
 
Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), poeta, cronista e contista brasileiro. 



(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)

domingo, 10 de março de 2013

DE NOITE NA CAMA

"Satânico é meu pensamento a teu respeito e ardente é o meu desejo de apertar-te em minhas mãos, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem.

A noite era quente e calma e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos mais íntimos lugares.
 
... Adormeci.
 
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.

Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar... Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo...
 
Só assim, livrar-me-ei de ti...
 
Pernilongo Filho da puta"
 
 
(Texto de Carlos Drummond de Andrade, escrito numa noite de descontração. A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.)


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas".


Frase de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), poeta, cronista e contista brasileiro. 


(A imagem acima foi copiada do link Google Images.)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

OUVIDO MASCULINO


Muitas vezes se ouve dizer que as mulheres falam demais... Mas não tem problema. Porque o ouvido masculino (seletivo) escuta somente o que interessa.... Preste atenção!
O que a mulher diz:
- Esse lugar está uma bagunça, amor!
Você e eu precisamos limpar isto.
Suas coisas estão jogadas no chão
E você vai ficar sem roupas
Pra usar se não lavá-las agora mesmo.
O que o homem escuta:
- blah, blah, blah, blah, AMOR,
blah, blah, blah, blah, VOCÊ E EU,
blah, blah, blah, blah, NO CHÃO,
blah, blah, blah, blah, SEM ROUPAS,
blah, blah, blah, blah, AGORA MESMO.
Percebem a diferença?

Texto de Carlos Drummond de Andrade. Poeta, contista e cronista brasileiro nascido em Itabira - MG, em 31 de outubro de 1902 e falecido no Rio de Janeiro - RJ, em 17 de agosto de 1987.


(A imagem que ilustra o texto acima foi copiada do link dzai.com.)