Uma frase que raramente traduz a verdade, mas é o que muita gente quer que você acredite
(O texto é longo, mas vale a pena ser lido. Garanto!!!) 
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| Educação: direito social que vem sendo vergonhosamente deixado de lado no Brasil | 
Aí a gente liga a TV de manhã para acompanhar os telejornais por 
conta do ofício e já se depara com histórias inspiradoras de pessoas que
 não ficaram esperando o Maná cair do céu e foram à luta. Pois a 
educação é a saída, o que concordo. E está ao alcance de todos – o que é
 uma besteira. E as cotas por cor de pele, que foram fundamentais para o
 personagem retratado na reportagem alcançar seu espaço e mudar sua 
história, nem bem são citadas. 
Pra quê? No Brasil, não temos racismo, não é mesmo? Até porque o negro não existe. É uma construção social… 
Quando
 resgato a história do Joãozinho, os meus leitores doutrinados para 
acreditar em tudo o que veem na TV ficam loucos. Joãozinho, aquele 
self-made man, que é o exemplo de que professores e alunos podem vencer 
e, com esforço individual, apesar de toda adversidade, “ser alguém na 
vida”. 
(Sobe música triste ao fundo ao som de violinos.) 
Joãozinho
 comia biscoitos de lama com insetos, tomava banho em rios fétidos e 
vendia ossos de zebu para sobreviver. Quando pequeno, brincava de 
esconde-esconde nas carcaças de zebus mortos por falta de brinquedos. 
Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, 
por conta, própria, lutou, lutou, lutou (contando com a ajuda de um 
mecenas da iniciativa privada, que lhe ensinou a fazer lápis a partir de
 carvão das árvores queimadas da Amazônia), andando 73,5 quilômetros 
todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira
 como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional. 
(Violinos são substituídos por orquestra em êxtase.) 
Ao ouvir um caso assim, não dá vontade de cantar: Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amoooooooor? 
Já
 participei de comissões julgadoras de prêmios de jornalismo e posso 
dizer que esse tipo de história faz a alegria de muitos jurados. Afinal,
 esse é o brasileiro que muitos querem. Ou, melhor: é como muitos querem
 que seja o brasileiro. 
Enfim, a moral da história é: 
“Se 
não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender 
de uma escola de qualidade, com professores bem capacitados, remunerados
 e respeitados, e de um contexto social e econômico que te dê 
tranquilidade para estudar, você é um verme nojento que merece nosso 
desprezo. A propósito, morra!” 
Uma vez, recebi reclamações da 
turma ligada a ações como “Amigos do Joãozinho”. Sabe, o pessoal cheio 
de boa vontade genuína e sincera, mas que acredita que o problema da 
escola é que falta gente para pintar as paredes. Um deles me disse que 
acreditava na “força interior” de cada um para superar as suas 
adversidades. E que histórias de superação são exemplos a serem 
seguidos. 
Críticas anotadas e encaminhadas ao bispo, que me lembrou de que eu iria para o inferno – se o inferno existisse, é claro. 
O
 Brasil está conseguindo universalizar o seu ensino fundamental, mas 
isso não está vindo acompanhado de um aumento rápido na qualidade da 
educação. Mesmo que os dados para a evolução dos primeiros anos de 
estudo estejam além do que o governo esperava no Índice de 
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), grande parte dos jovens de 
escolas públicas têm entrado no ensino médio sabendo apenas ordenar e 
reconhecer letras, mas não redigir e interpretar textos. 
Enquanto
 isso, o magistério no Brasil continua sendo tratado como profissão de 
segunda categoria. Todo mundo adora arrotar que professor precisa ser 
reconhecido, mas adora chamar de vagabundo quando eles entram em greve 
para garantir esse direito. 
Ai, como eu detesto aquele 
papinho-aranha de que é possível uma boa educação com poucos recursos, 
usando apenas a imaginação. Aulas tipo MacGyver, sabe? “Agora eu pego 
essa ripa de madeira de demolição, junto com esses potinhos de Yakult 
usados, coloco esses dois pregadores de roupa, mais essa corda de sisal…
 Pronto! Eis um laboratório para o ensino de química para o ensino 
médio!” 
É possível ter boas aula sem estrutura? Claro. Há 
professores que viajam o mundo com seus alunos embaixo da copa de uma 
mangueira, com uma lousa e pouco giz. Por vezes, isso faz parte do 
processo pedagógico. Em outras, contudo, é o que foi possível. Nesse 
caso, transformar o jeitinho provisório em padrão consolidado é o ó do 
borogodó. 
Pois, como sempre é bom lembrar, quem gosta da estética
 da miséria é intelectual, porque são preferíveis escolas que contem com
 um mínimo de estrutura. Para conectar o aluno ao conhecimento. Para 
guiá-lo além dos limites de sua comunidade. 
“Ah, mas Sakamoto, 
seu chato! Eu achei linda a história da Ritinha, do Povoado To 
Decastigo, que passa a madrugada encadernando sacos de papel de pão e 
apontando lascas de carvão, que servirão de lápis, para seus alunos da 
manhã seguinte. Ela sozinha dá aula para 176 pessoas de uma vez só, do 
primeiro ao nono ano, e perdeu peso porque passa seu almoço para o 
Joãozinho, um dos alunos mais necessitados. Ritinha, deu um depoimento 
emocionante ao Globo Repórter, dia desses, dizendo que, apesar da parca 
luz de candeeiro de óleo de rato estar acabando com sua visão, ela 
romperá quantas madrugadas for necessário porque acredita que cada um 
deve fazer sua parte.” 
Ritinha simboliza a construção de um 
discurso que joga nas costas do professor a responsabilidade pelo 
sucesso ou o fracasso das políticas públicas de educação. Esqueçam o 
desvio do orçamento da educação para pagamento de juros da dívida, 
esqueçam a incapacidade administrativa e gerencial, o sucateamento e a 
falta de formação dos profissionais, os salários vergonhosamente 
pequenos e planos de carreira risíveis, a ausência de infraestrutura, de
 material didático, de merenda decente, de segurança para se trabalhar. 
Joãozinho
 e Ritinha são alfa e ômega, a responsável por tudo. Pois, como todos 
sabemos, o Estado não deveria ter responsabilidade na vida dos cidadãos. 
Vocês acham sinceramente que “a pessoa é pobre porque não estudou ou trabalhou”? 
Acham
 que basta trabalhar e estudar para ter uma boa vida e que um emprego 
decente e uma educação de qualidade é alcançável a todos e todas desde o
 berço? 
E que todas as pessoas ricas e de posses conquistaram o que têm de forma honesta? 
Acham que todas as leis foram criadas para garantir Justiça e que só temos um problema de aplicação? 
Não se perguntam quem fez as leis, o porquê de terem sido feitas ou questiona quem as aplica? 
Como
 já disse aqui, uma das principais funções da escola deveria ser 
produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a 
própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do
 jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar – 
inclusive libertar para subverter. 
Que tipo de educação estamos oferecendo? 
Que tipo de educação precisamos ter? 
Uma
 educação de baixa qualidade, insuficiente às características de cada 
lugar, que passa longe das demandas profissionalizantes e com 
professores mal tratados pode mudar a vida de um povo? 
O Joãozinho e a Ritinha acham que sim. Mas eu duvido. 
