quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE RELIGIOSA - COMO VEM EM CONCURSO

(FGV - 2025 - ENAM - Exame Nacional da Magistratura - ENAM - 2025.2) Em uma sociedade empresária, a jornada estipulada contratualmente para os empregados é de 2ª a 6ª feira, das 9 às 18 horas, com intervalo de 1 hora para refeição. O empregador ainda determinou que às 17h45 todos devem obrigatoriamente encerrar suas atividades profissionais e se deslocar para o refeitório da sociedade empresária, onde é realizado um culto ecumênico que dura 15 minutos.

Considerando esses fatos, as normas e os princípios constitucionais, assinale a afirmativa correta.

A) Está dentro do poder diretivo do empregador determinar a participação no culto, mesmo porque é realizado dentro da carga horária de trabalho.

B) Os empregados não podem ser obrigados a participar e não precisam justificar a ausência no culto, tratando-se de abuso do poder diretivo.

C) Todos devem participar porque ecumenismo significa a congregação de pessoas de diferentes credos ou ideologias, o que estimula o respeito e a tolerância.

D) Somente os empregados que se declararem ateus poderão deixar de participar do culto, sendo que a falsidade na informação poderá ensejar a dispensa por justa causa.

E) Tratando-se de atividade estranha à do empregado, mesmo que realizada durante o horário de serviço, a participação obrigatória no culto deverá ser paga como hora extra porque se equipara ao tempo que está à disposição do empregador.


GABARITO: alternativa B. Os empregados não podem ser obrigados a participar de culto religioso por imposição do empregador. Tal medida é uma violação à liberdade de consciência e de crença. 

Ora, a chamada liberdade religiosa possui natureza de direito fundamental, com eficácia também nas relações privadas. Desta feita, o empregador deve organizar o ambiente de trabalho de modo a respeitar essa esfera de liberdade. 

Por conseguinte, a recusa do trabalhador em participar do culto religioso no ambiente laboral constitui exercício legítimo de direito fundamental, não havendo, sequer, necessidade de justificar a ausência, pois não se trata de falta funcional, mas de proteção contra abuso do poder diretivo. 

A este respeito, vejamos importante julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT/9): 

EMENTA: LIBERDADE RELIGIOSA – PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR – IMPOSIÇÃO DE CRENÇA RELIGIOSA AO TRABALHADOR – DANO MORAL DEVIDO. A imposição de crença religiosa ao empregador a seu empregado, obrigando-o à frequência a culto religioso, ultrapassa o poder diretivo empresarial e a subordinação jurídica à qual está vinculado o trabalhador, gerando a obrigação de pagamento desse tempo como labor extraordinário, além de indenização por danos morais em decorrência da violação da liberdade de religião, garantida pelos arts. 5º, VI, da Constituição Federal e 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. (TRT/9: Acórdão ROT 0000212-39.2017.5.09.0684. Rel.: Des. Paulo Ricardo Pozzolo. Data de Julgamento: 03/07/2019.)

Ver também Oficina de Ideias 54.


Vejamos as demais letras: 

A) ERRADA. O poder diretivo do empregador não é absoluto. A Constituição Federal assegura a liberdade de consciência e de crença, compreendendo também o direito de não participar de qualquer culto ou manifestação religiosa (direito negativo). Ora, configura violação a esta dimensão negativa da liberdade religiosa (direito de não crer ou de não cultuar) a determinação para que todos encerrem as atividades e se dirijam obrigatoriamente ao culto, ainda que dentro da jornada e sem acréscimo de horário. Tal ingerência atinge diretamente a esfera íntima do empregado e extrapola o poder de direção, tornando-se abusiva.

C) INCORRETA. O fato de o culto ser “ecumênico” não elimina a violação. Ecumenismo significa tentativa de aproximação ou integração entre diferentes credos, mas, mesmo assim, continua sendo prática religiosa. O empregado tem o direito de não praticar religião alguma nem participar de qualquer ato de culto, ainda que em ambiente supostamente plural. A imposição de participação obrigatória continua sendo incompatível com a liberdade de consciência e de crença e com a dignidade da pessoa humana.

D) FALSA. A proteção constitucional não se limita a pessoas que se declarem ateias. Ela alcança crentes, agnósticos, ateus e qualquer pessoa que não queira aderir a determinado culto. Exigir declaração de ateísmo para afastar a obrigatoriedade de participação fere a liberdade de consciência (que inclui crenças religiosas, convicções filosóficas e políticas) e ainda subordina o exercício do direito à revelação de uma convicção íntima. Além do mais, cogitar dispensa por justa causa por “falsidade” nessa declaração é completamente incompatível com a proteção de direitos fundamentais no ambiente de trabalho.


E) INCORRETA. Na medida em que durante o culto o empregado continua à disposição do empregador, dentro da jornada normal de trabalho, não há que se falar em pagamento de horas extras pelo simples fato de o culto ser atividade estranha à função. A questão central não é remuneratória, mas de violação de direito fundamental. O problema jurídico é a obrigatoriedade de participar de ato religioso, e não a falta de pagamento de tempo extra. Como no caso hipotético a jornada é de 9h às 18h, com 1 hora de intervalo, esses 15 minutos já estão dentro das 8 horas normais, sem extrapolação temporal que caracterizasse hora extra.

Excelente questão. 😊

Fonte: anotações pessoais e QCOncursos.

(As imagens acima foram copiadas do link Lisa Ann.)