quinta-feira, 28 de setembro de 2023

SANTO AGOSTINHO - VIDA E OBRA (XIV)

O homem e a essência do pecado (II)


Agostinho tudo fez para conciliar as duas teses opostas. Por um lado a vontade é livre para escolher o pecado e aquele que peca é inteiramente responsável por isso, e não DEUS; da mesma forma, aquele que age segundo o bem divino não deve esquecer que sua própria vontade concorreu para essa boa obra. Por outro lado, a graça seria soberanamente eficaz, pois a vontade não é capaz de nenhum bem sem o seu concurso. A graça e a liberdade não se excluem, antem, completam-se. 

A teoria da graça e da predestinação constitui o cerne da antropologia agostiniana. Da mesma forma, a dualidade dos eleitos e dos condenados é a estrutura explicativa da filosofia da história, exposta na Cidade de DEUS. Nessa obra repetem-se também as oposições entre inteligível e sensível, alma e corpo, espírito e matéria, bem e mal, ser e não-ser sintetizando os aspectos essenciais do pensamento de Agostinho.

A história é vista pelo bispo de Hipona como resultado do pecado original de Adão e Eva, que se transferiu a todos os homens. Aqueles que nele persistem constroem a cidade humana, ou terrena, onde são permanentemente castigados. Os eleitos pela graça divina edificam a Cidade de DEUS, e vivem em bem-aventurança eterna. A construção progressiva da Cidade de DEUS seria, pois, a grande obra começada depois da criação e incessantemente continuada.

Ela daria sentido à história e todos os fatos ocorridos trariam a marca da providência divina. Caim, o dilúvio, a servidão dos hebreus aos egípcios, os impérios assírio e romano, são expressões da cidade terrena. Ao contrário, Abel, o episódio da arca de Noé, Abraão, Moisés, a época dos profetas e, sobretudo, a vinda de Jesus, são manifestações da Cidade de DEUS.

Agostinho assim pensava porque estava contemplando a destruição final do Império Romano, depois do saque de Roma por Alarico (c. 370-410) em 410, e precisava dar uma resposta aos que acusavam o cristianismo de responsável pelo desastre. Para Agostinho não era um desastre; era apenas a mão de DEUS castigando os homens da cidade terrena e anunciando o triunfo do cristianismo. 

Estava findando a Antiguidade e preparando-se a Idade Média. A nova era seria dominada pela palavra do bispo de Hipona, pois ninguém como ele tinha conseguido, na filosofia ligada ao cristianismo, atingir tal profundidade e amplitude de pensamento. Vinculou a filosofia grega, especialmente Platão, aos dogmas cristãos, mas, quando isso não foi possível, não teve dúvidas em optar pela fé na palavra revelada.

Combateu vigorosamente o maniqueísmo, enquanto teoria metafísica, embora permanecesse visceralmente impregnado de uma concepção nitidamente dualista que contrapunha o homem a DEUS, o mal ao bem, as trevas à luz. 

Fonte: Santo Agostinho. Coleção Os Pensadores. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987, XVIII-XIX.

(A imagem acima foi copiada do link Oficina de Ideias 54.) 

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