segunda-feira, 4 de julho de 2022

INFORMATIVO 731/STJ, DESVIO DE FINALIDADE E FISHING EXPEDITION

Dicas para cidadãos e concurseiros de plantão.


Processo HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022. Ramo do Direito: DIREITO PROCESSUAL PENAL.

TEMA: Domicílio. Expressão do direito à intimidade. Asilo inviolável. Exceções constitucionais. Interpretação restritiva. Ausência de fundadas razões. Desvio de finalidade e fishing expedition. Nulidade das provas obtidas.  

DESTAQUE

Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, é preciso fazer uma distinção entre autorização para ingressar em domicílio a fim de efetuar uma prisão e autorização para realizar busca domiciliar à procura de drogas ou outros objetos.

Por se tratar de medida invasiva e que restringe sobremaneira o direito fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência. É o que se extrai da exegese do art. 248 do CPP, segundo o qual, "Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência".  

Ora, se mesmo de posse de um mandado de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, o executor da ordem deve se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual se admitiu a excepcional restrição do direito fundamental à intimidade, com muito mais razão isso deve ser respeitado quando o ingresso em domicílio ocorrer sem prévio respaldo da autoridade judicial competente (terceiro imparcial e desinteressado), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

Vale dizer, admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition).

Dois exemplos bem ilustram a questão. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo encontradas.  

Pense-se, ainda, na situação em que uma motocicleta é roubada e tem início perseguição policial aos assaltantes, os quais se refugiam em casa. Como decorrência do flagrante delito de roubo, os policiais ingressam no local, efetuam a prisão e apreendem o veículo subtraído. Na sequência, decidem aproveitar o fato de já estarem dentro do imóvel para procurar substâncias entorpecentes.  

Em ambas as situações hipotéticas trazidas, conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreensão das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por não decorrer de mero encontro fortuito - esse admissível - mas sim de manifesto desvio de finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do roubador e recuperar a motocicleta subtraída.

Desse modo, é ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito. O agente responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.

Fonte: STJ. Informativo de Jurisprudência. Número 731. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0731.pdf. Acesso em: 05 jul. 2022

(A imagem acima foi copiada do link Poder 360.) 

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