terça-feira, 28 de abril de 2015

"Os homens se tornam ridículos quando querem parecer o que não são".

Conde Giácomo Leopardi (1798 - 1837): ensaísta, filólogo e poeta italiano. É considerado um dos maiores poetas que a Itália já teve. São características de sua obra o ceticismo, a melancolia e o pessimismo, traços estes que podem estar relacionados aos problemas de saúde pelos quais o autor passou. Principais obras: Versi (1826), Operette Morali (1827) e La Ginestra (1836).


(Imagem copiada do link Images Google.)

Um comentário:

  1. Eu Sei mas não Devia - Clarice Lispector

    Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
    A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
    E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
    E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
    E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
    E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
    A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
    A tomar o café correndo porque está atrasado.
    A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
    A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
    A sair do trabalho porque já é noite.
    A cochilar no ônibus porque está cansado.
    A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
    A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
    A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
    A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
    A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e de que necessita.
    E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
    E a pagar mais do que as coisas valem.
    E a saber que cada vez pagará mais.
    E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
    A gente se acostuma à poluição.
    Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
    À luz artificial de ligeiro tremor.
    Ao choque que os olhos levam na luz natural.
    Às bactérias de água potável.
    A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
    Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
    Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
    Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
    Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
    E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
    A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.
    A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.

    Eu sou ridícula pelo simples fato de ser o que eu quero ser. Não abro mão de mim para atender a convenções sociais ou agradar a A ou a B. Como diz Clarice, de um forma ou de outra a vida se gasta então pra que economizar, vida?

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